“Sempre
penso no pior. Agora mesmo estou calculando quanto demoraria para sair correndo
do carro e chegar até Nina, se ela corresse de repente para a piscina e se
atirasse. A isso dou o nome de ‘distância de resgate’, que é como chamo a
distância variável que me separa de minha filha, e passo a metade do dia
fazendo esse cálculo, embora sempre arrisque mais do que deveria.”
Duas
pessoas conversam. No início, não sabemos quem são, só que uma delas está para
morrer, e a outra instiga a doente a continuar falando, relembrando o que
aconteceu. Há urgência no relato. Amanda,
a enferma, quer saber da filha de 4 anos, Nina.
David, seu interlocutor, está
impaciente, só repete várias vezes ‘isso não é importante’ e ‘precisamos saber
o ponto exato’. Alternando entre o tempo presente, em que essa conversa se
desenrola, e acontecimentos de alguns dias antes, a narrativa nos dá peças para
que possamos tentar reconstruir a história na ordem cronológica. Ao fim da
leitura, foi possível estabelecer a linha do tempo, mas saber o que de fato
aconteceu... isso já são outros quinhentos, dando margem a várias teorias e
interpretações.
‘Distância de resgate’ é um livro
curto, de 144 páginas que nos apresentam uma narrativa sem capítulos. Impelida
pelo senso de urgência dos personagens e pela curiosidade, devorei cada linha
com avidez, tensa, em menos de duas horas. Ao final, fiquei satisfeita por ter
conseguido organizar os eventos de forma linear, mas extremamente incomodada
com os mistérios que persistiam, perturbada com as imagens insólitas que
pareciam saídas de um filme de terror, angustiada só de imaginar possíveis
explicações para os fatos.
Como
o interessante do livro é mergulhar na confusão mental de Amanda, não posso
falar muito da trama. Só que se passa numa área rural da Argentina e que
envolve acontecimentos estranhos, que podem estar relacionados com efeitos de
pesticidas na água, mas que também têm características sobrenaturais. Realidade
e imaginação se misturam, e diferenciá-las nem é o mais importante.
Além
disso, há também uma discussão sobre a tal ‘distância de resgate’ do título,
que é o constante estado de alerta das mães com relação aos seus filhos. Essa
distância é medida por um fio invisível, que se estica e encolhe, dependendo
das situações e do nível de perigo apresentado. O aperto na boca do estômago,
numa alusão clara ao cordão umbilical que representa a ligação eterna e
invisível entre mães e filhos, é sinal evidente de que a prole está sendo
ameaçada. E a culpa materna que surge quando não se presta atenção a esses
indícios, mesmo que, de fato, não haja nada que possa ser feito para evitar o
pior.
Primeiro
romance da escritora argentina Samanta Schweblin, ‘Distância de Resgate’ é um suspense
incrível que aterroriza sem apelar para demônios e seres malévolos, usando um
cenário corriqueiro com contornos bem reais para explorar a fantasia. Não por
acaso, a autora vem sendo considerada herdeira do realismo fantástico
latino-americano. Um título e tanto, não?
Só
sei que fiquei pensando na história durante vários dias. Elaborei teorias.
Discuti possibilidades com uma amiga. Reli o livro em busca de explicações
alternativas e de algo que me desse uma luz sobre como escrever uma resenha que
despertasse no leitor a vontade de adentrar o mundo peculiar de Amanda e David
sem revelar demais da trama. Não sei se atingi o objetivo, mas reitero que foi
uma ótima experiência e que, quem tiver a chance de ler essa história, leia. E
venha discutir suas interpretações comigo!
Nota:
4/5
Este post faz parte do Desafio Volta ao Mundo em 80 Livros: [Argentina]. Para ver a apresentação do projeto e a lista de títulos/resenhas, clique AQUI ou no banner na coluna à direita.
2 comentários:
Mih, você conseguiu depertar meu interesse com uma resenha que revela somente insuficiente para me instigar! Quero ler!!! (herdeira do realismo fantástico do colombiano Gabo? Hummmmm)
Sammy,
Se consegui despertar seu interesse, atingi meu objetivo. Vou fazer mini-LV dele e sua casa está no itinerário, viu?
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