terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Resenha: Pequenas Grandes Mentiras


Um crime acontece na noite de perguntas e respostas da escola. Não sabemos quem matou nem quem morreu. A história é contada em retrospectiva, a partir de 6 meses antes do evento. Ficamos sabendo então que uma mãe solteira se muda para uma cidadezinha em que todos se conhecem. Já no dia de orientação de seu filho no jardim da infância, um incidente faz com que todos achem que o menino machucou uma coleguinha, filha de uma importante executiva da região que exige medidas desproporcionais para o caso. Paralelamente ao desenrolar das brigas escolares, conhecemos melhor o passado e a rotina de três mães que se tornam melhores amigas. E sob o manto ilusório da perfeição se escondem segredos, alguns realmente pequenos, outros nem tanto.

Madeline é a amiga expansiva, que adora fazer uma social, e tenta equilibrar (do alto de seu salto agulha e com muito estilo) seu emprego de meio período como organizadora de eventos como o papel de mãe e esposa. Abigail, adolescente filha de seu primeiro casamento, está naquela fase de rebeldia e tentando descobrir sua própria identidade, então se afasta da mãe e cria laços com Bonnie, a nova esposa zen do pai, que, aliás, também tem uma filha começando no jardim de infância, o que força sua convivência com Madeline. Ela torce o tornozelo a caminho da escola e é socorrida pela recém-chegada à cidade, Jane, e se conectam imediatamente.

Jane é a mãe solteira que se muda para a pacífica cidadezinha litorânea com o filho de 5 anos, Ziggy, na esperança de deixar para trás um passado doloroso. Infelizmente, o mal-entendido envolvendo o menino logo em seu primeiro dia na escola acaba com os planos de Jane de um recomeço tranquilo. Nova na cidade, sem família, sem a aura de saúde e riqueza das demais moradoras, o incidente inicial justamente com uma das mães mais poderosas da região deixa Jane e Ziggy em uma posição vulnerável, e os dois são acolhidos e defendidos apenas por Madeline e Celeste.

Celeste é a encarnação da perfeição: linda, rica, casada com Perry, um executivo de sucesso que é louco pelos filhos e parece um adolescente ainda apaixonado pela esposa mesmo depois de anos de casamento. Considerada avoada por Madeline, Celeste é do tipo discreta, que fala em sussurros, não usa maquiagem e se veste com simplicidade – ela se esforça para ser invisível. É mais uma aliada de Jane (não porque tenha se posicionado de alguma forma, mas porque a impetuosa Madeline assim decretou, e assim foi feito).

Eu nunca havia me interessado por esse livro, mas decidi lê-lo assim que marcaram a data da estreia da série na HBO (que, aliás, começou domingo passado). Para minha surpresa, é um livro incrível. É um romance policial em que sabemos de cara que um crime ocorreu, então dá para se divertir bancando o detetive e tentando descobrir o assassino e a vítima pelos depoimentos que são inseridos sempre no fim dos capítulos. Entretanto, o mais interessante do livro é a forma como a autora aborda assuntos sérios, como bullying, violência doméstica e sexual, perigos da internet, falsas aparências, etc.

A escrita envolvente e a estrutura que intercala a vida das três protagonistas e mostra eventos atuais e do passado delas funcionam que é uma beleza e fazem a leitura fluir fácil. A curiosidade sobre o que elas escondem e como lidarão com esses 'esqueletos no armário' me fez devorar as 400 páginas em apenas 3 dias. Conforme a narrativa avança, vamos conhecendo de fato os personagens, os conflitos e medos que eles escondem por trás de máscaras de perfeição e felicidade. As vontades são constantemente frustradas pelas expectativas de terceiros e, para atender a essas expectativas, as pessoas aprimoram cada vez mais as mentiras que contam aos outros – e, pior ainda, aquelas que contam a si mesmas.

Eu poderia falar um bom tempo sobre todas as coisas que me fizeram adorar essa história, mas é difícil fazer isso sem revelar pontos importantes da trama. Então, vou encerrar dizendo que me enganei totalmente sobre a identidade do morto (achei que tivesse sacado logo quem era, mas caí do cavalo... hahaha) e que foi lindo ver a cumplicidade feminina superar todas as picuinhas.

Já assisti ao primeiro episódio da série de TV e confesso que errei novamente quanto ao papel de cada atriz. Eu sabia que Nicole Kidman, Reese Witherspoon e Shailene Woodley seriam as três amigas, mas imaginei que a Nicole seria a amiga espalhafatosa (na verdade, a Reese é quem vive Madeline). Meu faro de detetive está bem defeituoso... Vou assistir mais alguns episódios e logo, logo posto minha opinião. Enquanto isso, leiam o livro. Recomendo muito.

“Bem, ela escolhera aquilo. Escolhera morar perto da praia, como se tivesse tanto direito quanto qualquer pessoa. Poderia recompensar a si mesma por duas horas de trabalho com um passeio na praia. Um passeio na praia no meio do dia. Poderia voltar ao Blue Blues, comprar um café e depois tirar uma foto pretensamente artística da xícara apoiada em uma cerca com o mar ao fundo e postá-la no Facebook com a legenda: Pausa do trabalho! Que sorte! As pessoas escreveriam: Inveja! Se exibisse no Facebook como sua vida era perfeita, talvez também começasse a acreditar. Ou poderia até postar: Que ódio!! Ziggy foi o único da turma a não ser convidado para uma festa de aniversário! Grrr. E todo mundo escreveria coisas consoladoras, tipo: Como assim? e Ai, coitadinho do Ziggy! Ela poderia reduzir seus medos, transformá-los em pequenas atualizações de status inócuas que apareceriam na linha do tempo de seus amigos. Então ela e Ziggy seriam pessoas normais. Talvez ela até saísse com alguém. Deixaria a mãe feliz.” 

Nota: 4,5/5

Este post faz parte do Desafio Volta ao Mundo em 80 Livros[Austrália]. Para ver a apresentação do projeto e a lista de títulos/resenhas, clique AQUI ou no banner na coluna à direita.

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