LIVRO: O AMANTE
Mulher
narra, em retrospectiva, sua adolescência, vivida na
Indochina dos anos 30. Filha de uma viúva que trabalha duro como professora
para sustentar os 3 filhos após a perda dos investimentos em terras no país, a
menina francesa (que não tem nome) fala da descoberta do sexo e do amor proibido
vivenciado com um chinês milionário e 12 anos mais velho.
A
maior parte da história cobre o período de um ano e meio durante o qual os
encontros dos amantes aconteceram. Embora a menina tivesse apenas quinze anos
nessa época, se mostra, desde o início, muito mais madura que ele, e, com a
consciência de que jamais ficariam juntos (diferenças de idade, de classe
social e, principalmente, de raças) e de que a relação imprópria tinha prazo
para acabar, ela decide esconder os sentimentos reais que nutria pelo amante e
pede a ele que a considerasse como qualquer outra com quem dormia, que a usasse
somente para o sexo, que a tratasse como uma prostituta, já que o dinheiro que
ele lhe dava ajudava (e muito) nas despesas de casa.
Ele,
por outro lado, se mostra desde o início hipnotizado pela garota, tímido,
frágil diante daquela pequena criatura bela e às vezes fria. Mesmo sabendo que
um futuro em comum para eles era impensável, ele não cansava de confessar seu
amor à menina. Consciente de que em pouco tempo chegaria o momento de se casar com a
noiva prometida na infância e desconhecida, ele decide aproveitar todos os
minutos de que dispõe em companhia da garota. Pela amante, ele se arrisca a
mostrar ao pai seu descontentamento com o plano matrimonial traçado (embora não
tenha coragem de abrir mão de sua riqueza para ficar com a menina) e se submete
a constrangedores jantares com a família dela, além de quitar dívidas do irmão
problemático da garota.
No
entanto, o livro não trata apenas da relação entre o chinês e a menina. A
narradora relembra ainda sua conturbada relação de amor e ódio com a mãe: ela
odiava a progenitora por privilegiar o irmão mais velho - vagabundo, ladrão,
viciado e valentão; ao mesmo tempo em que sentia pena da mãe por seu passado de
fracasso financeiro, por ver o quanto era frágil e deprimida. A relação da
menina com o irmão mais velho, como disse acima, é de raiva e desprezo
(frequentemente ela diz que quer matá-lo), mas com o mais novo é de puro
carinho e preocupação (dentro do que consegue expressar). Na paisagem
desoladora, a ausência de demonstração de sentimentos entre os familiares
não poderia encontrar melhor reflexo.
Escrito
na forma de fluxo de pensamento, misturando acontecimentos da adolescência com
relatos da vida adulta, Marguerite Duras romanceia a história de sua vida. Um
fato interessante que descobri lendo o livreto que vem com o DVD é que a ideia
de escrever "O Amante" surgiu quando o filho da autora organizava
fotos da carreira dela para a publicação de um livro. Ao notar que faltava um
retrato seu da época da adolescência, Duras começa a relembrar suas
experiências juvenis e, em vez de preparar apenas o prefácio do livro do filho,
mergulha em suas memórias e escreve um livro todo.
De
fato, durante a leitura, às vezes tive a impressão de ir folheando um álbum de
fotos. As descrições das paisagens e das cenas são tão boas que, mesmo sem ser
absurdamente detalhadas, nos colocam nos ambientes quentes e longínquos da
Indochina. A mudança brusca entre os assuntos e a mistura entre os tempos
também reforçam essa sensação de virar páginas cheias de retratos.
"Quinze anos e meio. O corpo é franzino, quase mirrado, seios ainda de criança, pintada de rosa-pálido e vermelho. E naquela roupa que poderia provocar risos, mas da qual ninguém ri. Sei que tudo está aí. Tudo está aí e nada ainda foi posto em prática, vejo nos olhos, tudo já está nos olhos."
Um
clássico polêmico e intenso com uma estrutura peculiar. Recomendo!
**********************
FILME: O AMANTE
Jean-Jacques Annaud leva para as telas
o livro de Marguerite Duras. Embora
o diretor mantenha o recurso da narradora que relembra seu passado, o
desenrolar da história difere do livro por ser linear e cronológico. Isso
simplifica e esclarece alguns pontos que tinham me deixado um pouco perdida em
certos trechos da leitura, mas, por outro lado, reduzem drasticamente o impacto
das palavras da autora, seu vigoroso fluxo de consciência, a imprecisão de quem
conta uma história e a sensação de álbum de fotografias que citei acima.
Aliás,
ao que parece, Duras não gostou nada da adaptação. Segundo ela, Jean-Jacques
foi explícito demais em sua abordagem da relação entre os amantes. Para a autora,
bastava insinuar. Em defesa do filme, digo que gostei da forma como as cenas de
sexo entre a menina e o chinês são mostradas. Em geral, gosto mais das
insinuações mesmo, mas, neste filme específico, acho que era fundamental
mostrar mais de perto e detalhadamente as descobertas, já que esse é o mote da
história.
Quanto
aos atores, acredito que fizeram um ótimo trabalho. A modelo e atriz estreante Jane March encarna, com um equilíbrio
ideal entre inocência e maturidade, a ninfeta que tem plena consciência do
poder de atração que exerce sobre os homens que a cercam. Tony Leung Ka Fai consegue expressar toda a fragilidade daquele
homem mais velho e viajado diante da amada tão jovem e decidida. Frédérique Meininger no papel da mãe
tem menos destaque do que no livro, mas consegue demonstrar sua saúde
debilitada e sua inquietação conivente com as atitudes da filha. O irmão mais
velho vivido por Arnaud Giovaninetti
parece menos repugnante do que o mostrado no livro (o que não quer dizer que
seja simpático), enquanto o irmão caçula interpretado por Melvil Poupaud é maior do que eu havia imaginado (para mim, ele era
mais criança).
As
imagens descritas por Duras no livro são transpostas para a tela com uma
riqueza de detalhes e luminosidade, recriando o calor, os cheiros, a abundância
de cores e produtos das barracas das ruelas da parte chinesa da cidade,
constantemente mergulhadas em gritarias e ruídos, em contraposição à aridez da
região dos colonos franceses e ao silêncio triste da casa velha e caindo aos
pedaços da família da menina.
Como
eu disse, Duras detestou a adaptação (que concordou em fazer apenas pelo
dinheiro, segundo ela) e, alguns anos após a estreia do filme, decidiu recontar
a história, e lançou "O Amante da
China do Norte". O mais curioso disso tudo é que o próprio "O
Amante" já era uma versão recontada de suas lembranças, que haviam
aparecido anteriormente em “Uma Barragem
Contra o Pacífico”, só que sob o ponto de vista de sua família.
Ao
contrário da autora, eu gostei bastante do filme e recomendo.
Extra:
-
Post incrível sobre o centenário de Marguerite Duras, escrito pela Juliana, do
blog O Espanador.
- “O Amante” foi o livro escolhido para discussão no 'Fórum Entre Pontos e Vírgulas' no fim do mês. Estão todos convidados a participar! ;)
Este post faz parte do Projeto Grandes Livros no Cinema. Para ver a lista de títulos com os links das resenhas feitas, clique AQUI.
- “O Amante” foi o livro escolhido para discussão no 'Fórum Entre Pontos e Vírgulas' no fim do mês. Estão todos convidados a participar! ;)
Este post faz parte do Projeto Grandes Livros no Cinema. Para ver a lista de títulos com os links das resenhas feitas, clique AQUI.
10 comentários:
seu post ficou muito bem escrito e completo. Eu assisti somente o filme e, apesar de muito bonito visualmente, as cenas explícitas me incomodaram um pouco...
Este é um dos livros que eu preciso reler, sabe? Acho que li no momento errado e não gostei muito, preciso dar uma nova chance a ele. E ver os filmes também! :)
ótimo texto!
beijo,
Pipa
Michelle, vou ler esse post depois que eu terminar o livro. Que bom que você leu por agora! Beijinho!
=)
Gostei da postagem, Mi. Ela me deixou com mais vontade de ver o filme... Gostei bastante até onde li do livro (cheguei na metade), o que me fez gostar mais do livro foi o posfácio da Leyla Perrone, como eu não sabia bulhufas sobre a historia, o li antes do livro e quando 'entrei' na história foi uma surpresa muito boa :)
O post da Ju ficou sensacional, gostei bastante também.
Até o final do mês para a discussão no Entre Pontos e Vírgulas o/
:*
Achei a sinopse do livro muito interessante! Fiz essa coleção de filmes e tentarei assistir depois de ler.
Julia,
O filme é bem explícito, mas todo o resto da ambientação era tão bom que isso nem me incomodou.
Pipa,
Momento é tudo, né? Acho que vale uma nova chance ;)
Lua,
Eu já estava com vontade de ler faz tempo. O Fórum me deu o empurrão final. Obrigada!
Maura,
Eba! Mais uma leitora para conversar!
Aline,
Essa coleção de filmes é muito boa! Meu objetivo é ler aos poucos e ver os filmes depois. Quero saborear cada história com a devida atenção.
Acabei de ler hoje esse livro e confesso que não sei se gostei ou não. Talvez seja esse ritmo dela, que você disse ser o fluxo de pensamento, que eu me estranhei. A forma como ela começa e termina fatos e pensamentos e logo em seguida inicia outro sem maiores detalhes me deixou tonta!!
Ainda não vi o filme, mas colocarei aqui na lista!
bjos
Michelle, vim agora ler sua resenha, perfeita!
Engraçado é que nós duas falamos em fotografias e depois vi no posfácio do meu livro também essa comparação, ela é muito visual mesmo, não é à toa que era cineasta.
Coloquei teu link lá no fórum, depois passa lá pra acompanhar a discussão!
Beijos!
Sempre vejo esse livro na biblioteca e nunca me animo a pegá-lo. Hoje, no entanto, fiquei com muita vontade de lê-lo. Acabei de assistir ao filme e certamente vou ler o livro.
Adorei sua resenha e tudo que você escreveu.
Gostei bastante do livro, mas não acho o filme para assistir. :/
www.desejandolivros.blogspot.com.br
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