Alex e Ilana foram casados por nove anos e, após um divórcio conturbado, passam sete anos sem se falar. Agora, diante da expulsão escolar de Boaz, o filho adolescente do casal que já vinha apresentando problemas comportamentais havia algum tempo, Ilana decide finalmente escrever para o ex-marido em busca de ajuda. No entanto, o que era para ser apenas um pedido de comprometimento paterno se transforma em uma torrente de acusações e sentimentos dúbios represados por tempo demais.
O
livro todo consiste em trocas de cartas e telegramas, não apenas entre Alex e
Ilana, mas também com o atual marido de Ilana, o advogado de Alex, a irmã de
Ilana e o próprio Boaz. Embora o foco principal esteja em Alex e Ilana, que
repassam seu relacionamento falido e o que levou à separação, os outros
personagens também são importantes, pois apresentam outros aspectos do
comportamento da dupla de protagonistas e levantam questões pertinentes para a
trama.
Logo
na primeira carta de Ilana para Alex, ficamos sabendo que o casamento terminou
porque ela foi acusada de adultério. Não sabemos se a traição realmente ocorreu
ou não, mas já conhecemos o resultado de tal acusação: Boaz despreza a mãe.
Isso explica, em parte, a rebeldia do garoto, que decide se afastar de todos os
adultos (pais, padrasto, tios) para estabelecer uma comunidade que rejeita
todas as regras impostas pela sociedade. Incompreendido, ele é taxado de louco
e imaturo, mas, no desenrolar da história, vemos que é o personagem mais
responsável, determinado, correto e emocionalmente estável de todos.
De
Alex sabemos pouco: só que é um professor universitário e escritor mundialmente
famoso. No início ele dá respostas curtas, prefere se comunicar com a ex-esposa e com
o atual marido dela por meio de seu fiel advogado e amigo. Depois, começa a
tentar uma aproximação com o filho, decide usar o pouco tempo que lhe resta
para corrigir erros do passado, desce de seu pedestal e assume sua pequenez
diante do universo.
Já Michel, o marido de Ilana, parece ser
uma pessoa completamente oposta a Alex: um cara simples, que aceitou Ilana e
seu filho de braços abertos, um esposo dedicado que ajuda nas tarefas
domésticas, que aprecia os bons momentos ao lado da amada. Extremamente
religioso, ele cita trechos da Torá a todo momento, está envolvido na luta pela
Palestina ativamente por meio de uma fundação. Entretanto, ao longo de suas
cartas presenciamos sua transformação diante do dinheiro.
O
que torna esse livro brilhante é a construção dos personagens,
tão reais e cheios de virtudes e defeitos. Embora seja possível ter um
personagem preferido, não dá para não se identificar com todos eles em pelo
menos algum momento. Não tem como não se entristecer com a insatisfação de
Ilana (apesar de ela ser bem cruel às vezes), não admirar a boa vontade de
Michel com o enteado (embora ele teime em "converter" a todos,
sempre), não torcer pela realização dos sonhos de Boaz (mesmo que, no início,
pareça que ele está apenas a fim de causar tumulto), não se compadecer de Alex
(ainda que em certa altura da história ele mostre seu lado doentio).
Assim
como o leitor, Amós Oz se divide entre todos os personagens, colocando um pouco
de sua voz em cada um deles. Além disso, “Caixa-preta” se destaca por ser uma
história sobre amores desfeitos, sobre planos não concretizados, sobre
relacionamentos conjugais e entre pais e filhos, sobre amizade, sobre
discussões religiosas e o panorama político e social de Israel. Resumindo:
qualquer que seja a perspectiva de leitura, há sempre algo interessante a se
tirar do livro.
“Esta narrativa confunde toda a sua estratégia? Sinto muito. Você perdeu um ponto. Como foi que você me disse uma vez? Quando a batalha está no auge não há mais sentido nas regras iniciais. Em todo caso, o inimigo não conhece as regras e não age de acordo com elas.”
“Esta narrativa confunde toda a sua estratégia? Sinto muito. Você perdeu um ponto. Como foi que você me disse uma vez? Quando a batalha está no auge não há mais sentido nas regras iniciais. Em todo caso, o inimigo não conhece as regras e não age de acordo com elas.”
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