Em
“Verão”, o autor J. M. Coetzee encarna o biógrafo inglês Vincent, que prepara um livro sobre a vida de John Coetzee, escritor já falecido. Com base em um
caderno de notas do morto e em entrevistas de pessoas que foram importantes
para o escritor em um período breve, mas crucial de sua história (o retorno
para Cidade do Cabo após sua expulsão dos Estados Unidos), Vincent tenta
conhecer melhor o ídolo que nunca encontrou pessoalmente.
Autobiografia
ficcional? Memórias romanceadas?
“Verão”
é isso tudo e muito mais.
O
livro mais famoso de Coetzee é o "Desonra", que eu havia separado
para ler este ano, até saber que os Espanadores haviam selecionado
"Verão" para ser discutido nas Leituras Compartilhadas (veja o vídeo
da Juliana e do Kalebe falando sobre o livro). Aproveitei que já tinha um
exemplar desse também em casa e mudei minha opção. Embora seja o terceiro
volume da série de autobiografias ficcionais (os dois primeiros são
"Infância" e "Juventude"), não tive nenhum problema durante
a leitura.
No
início fiquei um pouco perdida, sem saber quem estava falando o que, já que as
vozes do biógrafo e da primeira entrevistada se misturam também às anotações do
caderno. Para piorar meu deslocamento, eu estava lendo em espanhol, o que, de
certa forma, aumentou a sensação de estranheza. No entanto, após poucas páginas
já comecei a distinguir os trechos da narrativa e me habituei ao idioma da
escrita. Terminei a leitura dias depois, encantada com o estilo do autor e
cheia de dúvidas sobre o conteúdo da história. Como notei no dia da discussão,
o livro teve o mesmo efeito sobre outras pessoas.
O
grande trunfo do Coetzee é jogar com o leitor, aproveitando-se das
peculiaridades de sua figura pública (ele é conhecido por não dar entrevistas,
não comparecer a entregas de prêmios, nunca sorrir, levar uma vida metódica) e
inserindo informações inventadas (por exemplo, John Coetzee é sempre descrito
como um cara caladão e solitário, daqueles que têm orgulho de nunca se envolver
seriamente com nenhuma mulher - mas, na verdade, J. M. Coetzee era casado na
época em que a trama se desenrola). Não há como saber onde terminam as memórias
e onde começa a ficção. E por mais que eu tenha tentado ler a história apenas
como um romance, o bichinho da dúvida sempre voltava para me cutucar.
Outros
pontos interessantes são sua relação conturbada com o pai (quantos defeitos
paternos Coetzee reconhecia em si mesmo?) e a forma depreciativa que Coetzee
usa para falar de si mesmo na história: era um homem ‘fraco’ (aliás, como todos
os integrantes masculinos de sua família). Será por isso que, dos cinco
entrevistados, quatro são mulheres (e todas não pintam um quadro muito bom de
sua pessoa)? E quem critica duramente a si mesmo não está, na verdade, esperando confetes?
Não
posso deixar de destacar outro aspecto fundamental do livro: a sensação de
não-pertencimento de Coetzee e de boa parte da população branca da África do
Sul, resquícios do apartheid que
assombrou o país por décadas e que ainda faz com que algumas pessoas se sintam
como intrusas em sua própria terra natal, ao mesmo tempo em que certa parte da
população negra também se sinta deslocada. Feridas que não se fecham tão
rapidamente.
Ah... também gostei muito de uma discussão em que o autor defende que os livros são,
para um escritor, uma tentativa de alcançar a imortalidade, de continuar
existindo após a morte, ao ser lido, ainda que não esteja mais vivo para ver
isso acontecer.
“De la misma manera que el destino de ciertas generaciones es que la guerra las destruya, así el de la generación actual es, según parece, que la política das avasalle.”
Leitura
muito interessante. Se eu já queria ler outras coisas do Coetzee, agora essa
vontade duplicou. Recomendo!
Este post faz parte do Desafio 12 Livros, 12 Receitas - País Escolhido: África do Sul. Para ver a lista de títulos e pratos selecionados e outros posts do projeto, clique AQUI.
Mais
pessoas falando de Coetzee:
-
Luara (Ao Rés do Chão) - Verão
- Flávia (Em Algum Lugar da Imaginação) - Desonra
- Menezes (O Espanador) - A Infância de Jesus
2 comentários:
Eu também senti esse estranhamento no começo, achei até que não ia gostar, mas depois que peguei o ritmo do livro, me acostumei e fluiu super bem.
Agora quero ler Desonra que todos falam tão bem.
bjos
Quero ler tudo do Coetzee!...rs
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