Após
o expediente, Esther (Marina de Van)
vai com colegas de trabalho a uma festa. Em determinado momento, ela sai para
dar uma volta na área externa da casa, que estava em reforma, e acaba ferindo a
perna em um monte de entulho, mas não percebe. Depois da festa o grupo ainda
vai a um bar, e só depois de horas Esther vai ao médico, que fica intrigado por
ela não sentir dor com um ferimento tão sério. Ele faz a sutura, receita uns
medicamentos e a paciente vai para casa. No entanto, ao remover o curativo para
limpar a ferida, ela fica fascinada e parece estar enxergando seu corpo pela
primeira vez.
Este
é um filme estranho, pra dizer o mínimo. Há uma boa dose de sangue e causa
aflição e repulsa em muitos momentos, o que provavelmente fez com que fosse
classificado como terror, mas não acho que isso resuma tudo. “Em minha pele” perturba, sim, mas não
com sustos fáceis e violência gratuita. Para mim, mais do que horrorizar, ele
hipnotiza ao mostrar o processo de dissociação entre mente e corpo da
protagonista e sua jornada de autoconhecimento.
Em
uma entrevista ao jornal The Guardian, Marina de Van contou que o filme é
baseado em uma experiência que ela viveu aos oito anos de idade, quando foi
atropelada e quebrou a perna, e então passou a ver o membro como uma parte
separada de seu corpo. E é exatamente como uma criança experimentando o mundo
que a protagonista do filme age: ela fica obcecada pelo machucado, cutuca,
enfia o dedo, rasga ainda mais a pele. Decide então expandir a investigação
para outras partes do corpo e vai se automutilando mais e mais.
Mas
essa automutilação não causa dor; pelo contrário, parece ser um momento de
intimidade muito prazeroso para Esther – é praticamente um ato sexual. Esse
caráter de sua experiência fica claro no dia seguinte ao acidente, assim que
ela volta ao trabalho e, como numa compulsão, foge para o depósito para se
cortar. Volta de lá excitada, como um adolescente descobrindo a própria
sexualidade, e quer dividir o momento com a colega de trabalho (que ela achava
que era sua amiga).
Mais
adiante, ela vai a um jantar de negócios e, depois de umas taças de vinho, sai
do restaurante, liga para o namorado com uma desculpa qualquer, e vai passar a
noite em um hotel, sozinha – ou melhor, na companhia de si mesma. Lá, começa a
furar, morder e arrancar pedaços do próprio braço, em uma cena que é ao mesmo
tempo repugnante e extremamente sensual. O que vemos na tela é um momento de
entrega total, que é muito sincero e bonito, ao contrário dos momentos em que
ela beija ou transa com o namorado.
É
claro que o comportamento de Esther começa a afastar as pessoas.
O que achei interessante, no entanto, é que a automutilação em si não causa desconforto ou preocupação, mas os efeitos desses encontros consigo mesma incomodam os outros. Por exemplo, Esther passa a ser
mais confiante e assume um cargo mais elevado na empresa – a colega de trabalho
fica com inveja, passa a boicotar a outra e termina por evitá-la; o namorado,
embora pareça preocupado com o padrão autodestrutivo de Esther, na verdade fica
com ciúme por ela tê-lo preterido e por se autossatisfazer, é afetado pelo
aspecto feio que a companheira vai ganhando.
Resumindo,
não é um filme fácil de classificar e definitivamente não indico a qualquer
pessoa. Tem que ter uma certa tolerância a cenas fortes, mas considero uma
experiência intrigante. Me fez querer desviar o olhar, mas ao mesmo tempo eu
não queria perder nenhum detalhe, então continuava assistindo, tão fascinada
pela coisa toda quanto a própria protagonista. Recomendo a quem quer ver algo
realmente diferente e incômodo, mas ainda assim belo.
Nota:
4/5
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Sobre
a diretora:
Marina de Van é uma atriz, roteirista e
diretora francesa com oito filmes no
currículo, tendo dirigido quatro deles. “Em
minha pele” (2002) é seu primeiro trabalho de direção, e ela também atuou e
escreveu o roteiro do longa. Seu filme de 2009, “Encontro com o passado”, foi exibido na mostra não-competitiva de
Cannes daquele ano. Seus trabalhos como diretora são caracterizados pelo tom
sombrio e pelo horror, inclusive sua versão de "O pequeno polegar" (2012), último filme lançado por
Marina até o momento.
Este post faz parte do projeto Veja Mais Mulheres, criado pela Cláudia Oliveira. Para ver o post de apresentação que inclui minha lista de filmes e os links para as respectivas postagens, clique AQUI.
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