O
Sr. José é um homem de meia-idade que há muitos anos ocupa o cargo de auxiliar
de escrita no Registro Geral. Sujeito pacato e fiel cumpridor de sua função, respeita
sempre a hierarquia no local de trabalho, fazendo, ele mesmo, parte da base da
pirâmide. Na casinha contígua ao Registro, o Sr. José vive de modo simples e
solitário, tendo como único passatempo colecionar recortes de jornais e
revistas sobre a vida de pessoas famosas. Um dia, ele se dá conta de que nas
fichas dessas celebridades faltavam informações básicas, como nome dos pais, hora e local de nascimento, por exemplo, às quais ele tinha acesso fácil devido
à sua profissão. Então ele decide quebrar as regras pela primeira vez na vida,
e entra no Registro de madrugada para conseguir os dados faltantes dos famosos.
Sem querer, acaba levando junto o registro de uma mulher desconhecida, e esse
acaso transforma sua vida.
O
Sr. José é um funcionário que realiza as tarefas a ele incumbidas não só porque
é zeloso, e sim porque morre de medo de seus superiores A hierarquia é o que há
de mais sagrado no ambiente de trabalho. Assim, o Sr. José está acostumado a
ser invisível, a ter sua insignificância constantemente lembrada. Quando ousa
agir na clandestinidade, sofre imensamente, sente vertigens, tem calafrios,
suores e tremores, a tensão quase o faz enfartar. No entanto, assim que ele
fica cara a cara com o registro da mulher desconhecida, sua curiosidade aflora
e ele passa a questionar o valor que damos a determinadas pessoas, mas não a
outras. De repente, ele percebe que todos os indivíduos são igualmente
importantes, e que o que não se sabe é muito mais interessante do que o que se
conhece.
À
medida que o Sr. José avança em sua investigação para descobrir quem é a mulher
desconhecida e para saber mais sobre seu passado, ele vai ganhando mais e mais
coragem, passa a mentir descaradamente, deixa de temer os superiores, para de
se contentar em contemplar a vida alheia e passa a viver com mais intensidade a
própria vida. E é uma pessoa totalmente incógnita e comum que faz o protagonista
se sentir especial.
É
curioso notar que, quanto mais o Sr. José se torna insubordinado, mais atenção
e respeito ele ganha do chefe – e isso desperta a inveja dos colegas de
trabalho. Ao longo de sua jornada, o Sr. José descobre o valor de cada pessoa,
sem fazer distinção, inclusive, entre vivos e mortos. E a transformação afeta
não só sua vida pessoal, mas também a forma como ele passa a ser visto no
trabalho, bem como o tratamento dispensado a todos os indivíduos fichados no Registro,
que deixam de ser considerados apenas números para terem todos os seus dados
reunidos em único arquivo que conte suas histórias de vida.
Mais
uma vez, Saramago consegue fazer de uma trama banal uma história emocionante,
que atiça a curiosidade e nos faz torcer pelo homem comum que se levanta para
assumir um lugar de destaque no mundo – mesmo que não seja no mundo todo, e sim
no pequeno universo que ele habita.
“Tinha
o armário cheio de homens e mulheres de quem quase todos os dias se falava nos
jornais, em cima da mesa o registro de nascimento de uma pessoa desconhecida, e
era como se os tivesse acabado de colocar nos pratos duma balança, cem neste
lado, um no outro, e depois, surpreendido, descobrisse que todos aqueles juntos
não pesavam mais do que este, que cem eram iguais a um, que um valia tanto como
cem.”
Nota:
4/5
Esta leitura faz parte do Projeto Ler Saramago, criado pela Cláudia, do blog A Mulher que Ama Livros, que consiste em ler todos os romances do autor português em ordem cronológica. Eu estou trapaceando e lendo fora de ordem, mas enfim...
Ah, e o post também serve para outro projeto da Cláudia, o Ler os Nossos, que consiste na leitura de autores portugueses neste mês de novembro. Para quem quiser detalhes do projeto, sua criadora explica tudo direitinho neste vídeo e neste post.
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