domingo, 2 de abril de 2017

Resenha: Dançarinas


Li 'Dançarinas' no ano passado, mas então emprestei o livro e só agora combinei com a Lulu (leia a resenha dela AQUI), minha parceira no Desafio Lendo Margaret Atwood, de postar nossas opiniões. Obviamente, as impressões mais imediatas e vibrantes já se perderam nesse tempo todo. De qualquer forma, esse foi o livro da autora que menos me agradou até o momento. O volume inclui 14 contos que têm, em sua grande maioria (12 contos), mulheres como protagonistas, mulheres com personalidades e estilos de vida diferentes, porém unidas pela mesma dor.

Do total de 14 contos, achei 3 realmente excelentes, pois conseguem sintetizar todas as questões que os demais abordaram de forma mais superficial ou parcial. 'O marciano’, texto que abre o livro, fala de uma moça que começa a ser perseguida por um cara estranho na universidade. A princípio ela fica com medo, afinal, maníacos não faltam no mundo, mas depois começa a se achar especial, pois, mesmo de um jeito distorcido e perturbador, alguém finalmente havia notado sua existência. Christine, a protagonista, exemplifica bem alguns problemas enfrentados pelo sexo feminino, pois não atendia aos padrões de beleza (era gorda), era constantemente comparada com as irmãs (lindas e casadas) e, embora fosse boa amiga e conselheira, seus colegas jamais a enxergavam como mulher. Não à toa, a atenção (ainda que indesejada) que ela recebe do perseguidor lhe parece elogio. Outro ponto importante que a autora toca em ‘O marciano’, e em várias outras, é a culpabilização da vítima (Christine é perseguida e, em determinado momento, começa a achar que a culpa era dela, pois era ela quem via o rapaz em todo canto).

No conto seguinte, ‘Betty’, também um dos meus preferidos, um casal passa a conviver com a vizinha de outro andar que apanhava do marido pelos motivos mais bestas. A nova vizinha conquista todos na casa, especialmente as duas filhas de Betty, que veem na visitante uma mulher em quem se inspirar, já que a mãe era uma simples dona de casa com um defeito físico nas pernas e que escondia toda sua dor e tristeza por trás da máscara sorridente e bem-educada que usava em todas as ocasiões. Aqui, mais uma vez, a mulher é a culpada: quando não é atraente, quando não é divertida, quando é vítima de violência, quando o casamento se desfaz.

O último conto, ‘Dar à luz’, é o terceiro que me conquistou, com as cutucadas ácidas e jatos frios de realidade para tratar de um assunto que geralmente é romantizado: maternidade. Na história, temos o julgamento de uma mulher por suas escolhas na hora de botar outro ser vivo no mundo e de como cuidar dele. O pior de tudo: o julgamento é feito por outras mulheres, demonstrando a falta de empatia que domina as relações. Vou deixar um trecho aqui para vocês:

“Mas quem dá? E a quem é dada a luz? Certamente não parece que se dá alguma coisa, o que implicaria um fluxo, um gesto suave de entrega, sem coerção. Mas quase não há gentileza nisso, é demasiado estrênuo, o ventre contraído como um punho fechado, espremendo-se, o ritmo laborioso do coração, cada músculo do corpo movendo-se tenso, como na filmagem em câmera lenta der um salto em altura, o corpo sem rosto alça voo, se torce, paira por um instante no ar, e então – de volta ao tempo real – o mergulho, o ímpeto para baixo, o resultado, talvez a frase tenha sido escrita por alguém que viu apenas o resultado: no caso, as fileiras de bebês a quem foi dada a luz, deitados como pacotinhos bem-feitos em cobertores enrolados com perícia, rosa ou azuis, suas etiquetas presas com fita adesiva aos bercinhos de plástico transparente, do outro lado do janelão de vidro.”

Os demais contos, embora não tenham me impactado tanto, também têm algo a acrescentar nesse balaio de situações desfavoráveis para as mulheres: são sempre idealizadas e essa versão fantasiosa torna as pessoas reais desinteressantes, falhas e descartáveis; suas conquistas são sempre menores; têm sempre que atender a algum padrão (se não forem magras, bonitas, sorridentes, casadas e capazes de gerar filhos, não têm valor). E nesse jogo de desencontros, todos acabam infelizes e solitários. 

Nota: 3/5

Esta resenha faz parte do Projeto Lendo Margaret Atwood. Veja AQUI a lista de títulos com os links para minhas resenhas já publicadas. Para ver as resenhas que a Lulu preparou especialmente para o projeto, clique AQUI.

2 comentários:

Lulu disse...

O livro começa com o melhor conto (O Marciano) e acabou dando certa esperança nos próximos. Pena que não foi assim. Michelle, gostamos praticamente dos mesmos contos. Nesses contos que você destacou, acredito que a autora consegue passar muito bem a situação dessas mulheres, do que se espera delas e dos riscos que elas correm. Por essas séries de padrões impostas ao nosso gênero, vemos como somos tratadas como um mero objeto. Como sempre, ótima resenha! E obrigada pela companhia! (^_^)
Nosso projeto lindo! <3
Beijos!

Michelle disse...

Lulu,
Exatamente! O primeiro conto é excelente e, somando isso à experiência positiva que tive com os romances da autora, a expectativa era altíssima (sinal claro de grandes chances de decepção...).
Mas foi só o primeiro livro de contos. Veremos o desempenho dos próximos.
E obrigada mais uma vez por embarcar nessa comigo!