Sabe
aquela frase conhecidíssima de Tolstói que diz que as famílias infelizes são
infelizes cada uma à sua maneira? Então. Foi ela que me veio à cabeça quando li
“Aqui estão os sonhadores", em dezembro de 2017. À primeira vista, os
Edwards têm uma vida perfeita: Clark, o marido, é executivo em um
grande banco e tem uma família adorável; Cindy, a esposa, é linda, mora
em um apartamento luxuoso e preenche seus dias com almoços, jantares e eventos
sociais; eles têm dois filhos saudáveis, carinhosos e inteligentes e uma vida
confortável e segura financeiramente. Até a crise abalar as estruturas de seu
mundo cor-de-rosa.
Jende
e Neni Jonga são os camaroneses que vão para os Estados Unidos em busca de
uma vida melhor para si e para o filho de 6 anos. Depois de uma série de
subempregos exaustivos, Jende acha que tirou a sorte grande ao ser contratado
por Clark Edwards como seu motorista particular. De fato, o trabalho requer
menos esforço físico e oferece um salário melhor, mas o coloca em uma sinuca de
bico ao exigir dele uma lealdade entre patrão e empregado que cria um impasse
entre ele e sua esposa: enquanto ele não vê problemas em seguir cegamente as
ordens de Clark, mesmo que isso desestabilize sua família e signifique ter que
voltar para o Camarões, Neni está disposta a qualquer coisa para permanecer nos
Estados Unidos e manter sua independência.
Uma das principais questões para os Edwards é a aparência:
eles precisam parecer uma família feliz e harmoniosa sempre, seja nos eventos
de trabalho de Clark, nos jantares beneficentes de Cindy ou nas festinhas
escolares dos filhos. Mas, no fundo, todos estão frustrados: Clark não se
interessa mais pela esposa, Cindy sente essa indiferença e tenta amenizar a dor
com bebida e remédios, o filho mais velho quer descobrir sua identidade e
encontrar seu lugar no mundo (um que, de preferência, seja menos materialista)
e o caçula sente falta do afeto dos pais e se apega a empregadas e babás.
Os
Jonga parecem ter um lar mais harmonioso, apesar das longas jornadas de
trabalho de ambos, mas é a ameaça de terem que se separar que afeta a família.
Jende não se importa em voltar para seu país natal porque imagina que o pouco
dinheiro que conseguiu juntar na terra do Tio Sam representará uma fortuna em
Camarões, o que lhe dará prestígio e a possibilidade de uma vida mais
confortável. Só que, para Neni, voltar significa perder a parca independência
recém-adquirida: nos EUA ela teve a chance de estudar, de trabalhar, de tomar
decisões, de ter uma identidade própria de mulher; voltar significa não ter
opções, significa ser, para sempre, apenas a esposa/mãe de alguém e mais nada.
O
ponto forte do livro é abordar temas como preconceito contra imigrantes,
diferenças de classe social e de gênero. É interessante notar como,
independente da grana e dos valores culturais, a esposa sempre é vista como uma
extensão do marido, obrigada a se adaptar ao que ele quer, a moldar sua vida
conforme os desejos dele, a seguir os sonhos dele. Tanto Cindy quanto Neni têm
suas vontades ignoradas e seus problemas minimizados pelos esposos. O livro
também é bem-sucedido como retrato familiar (histórias de pessoas comuns sempre
me agradam), bem como ao falar brevemente do papel dos filmes americanos na
definição/reafirmação de ideais coletivos de felicidade.
Apesar
de eu ter gostado de muitas características, o resultado do livro como um todo
foi apenas mediano. Não foi uma leitura irritante, mas também não foi daquelas
que eu mal via a hora de continuar lendo. Achei meio monótono e, em determinado
momento, eu só queria chegar à última página.
Resumindo,
não foi uma leitura que me marcou, seja pela história, seja pelos personagens.
Vale pelos pontos positivos que mencionei acima e para conhecer a escrita de
uma autora camaronesa, não tão comum por estas bandas.
“Na
verdade, pensou Jende, você nunca se casou porque ninguém quis se casar com
você, ou você não encontrou ninguém que amasse o suficiente para se casar,
porque nenhuma mulher com cérebro intacto diria não para um homem que ela ama
se esse homem quisesse se casar com ela. As mulheres adoram fazer alvoroço por
independência, mas toda mulher, americana ou não, aprecia um bom homem. Se não
fosse assim, por que tantos filmes terminam com uma mulher sorrindo por ter
finalmente conseguido um homem?”
Nota:
3/5
Este post faz parte do Desafio Volta ao Mundo em 80 Livros: [Camarões]. Para ver a apresentação do projeto e a lista de títulos/resenhas, clique AQUI ou no banner na coluna à direita.
Um comentário:
Michelle voltou!!! \o/ “Aqui estão os sonhadores” parece ser bom. Essa frase do Tolstói é muito impactante. Mi, talvez esse pensamento seja uma mensagem subliminar: leia “Ana Karênina” hahaha. Beijos!
Postar um comentário