Um
zumbido constante. Uma dor de cabeça que não cessa. O céu carregado. Um calor
anormal. Ratos atacando uns aos outros na calçada. Aparelhos elétricos que não
desligam. Sinais de que algo de muito estranho está acontecendo. Cada uma a seu
modo, as pessoas tentam amenizar os incômodos. De repente, o zumbido e a dor de
cabeça desaparecem. Finalmente todos podiam seguir com suas rotinas. Bem, nem
todos.
Há o
comediante que perde a esposa num terrível acidente de carro e não sabe como
explicar a situação para o filho pequeno, o jornalista aposentado que tenta
apoiar a filha em seu processo de luto pela morte recente do netinho, a senhora
religiosa que passou os últimos anos cuidando incansavelmente do marido inválido
e agora se preocupa com a melancolia da neta.
Quando
o tal fenômeno acontece, a esposa do comediante David, pronunciada morta havia
poucos minutos, volta a viver; o jornalista Mahler presencia no hospital o caos
causado pelos defuntos do necrotério que saíam das gavetas e intui que seu neto
talvez espere por ele no cemitério; o marido inválido da senhora Elvy de algum
modo sai da sepultura e volta para casa. Passado o assombro inicial, essas
pessoas têm que lidar com seus sentimentos conflitantes em relação aos entes
queridos que retornaram.
O
começo da história é bem Stephen King, com essa coisa da eletricidade
incontrolável e tal. Mas depois o livro me lembrou muito a série francesa “Les revenants”. Um pouco mais creepy, é verdade, já que na série os mortos voltam
inteiros e, aqui, eles já estavam em estado de decomposição. Ou, no caso de
Eva, a esposa do comediante que havia acabado de falecer no acidente, o corpo
estava dilacerado, com partes faltando.
Além
do aspecto físico dos “revividos”, os parentes também têm que lidar com o fato
de os ressuscitados não conseguirem falar, e com sentimentos de ternura e asco
que sentem por aqueles seres que parecem não ser os mesmos que partiram para
o além. Para o governo, no entanto, os problemas são outros: a possibilidade de
alguma epidemia causada por micro-organismos dos corpos dos mortos, onde
colocar tanta gente em quarentena, as questões éticas com relação a testes
realizados nos retornados.
As histórias dos personagens principais vão sendo contadas de forma intercalada e, dos núcleos principais, aquele composto por Elvy e sua neta, Flora, é o meu preferido. Embora de
faixas etárias bem diferentes e com personalidades totalmente distintas (Elvy é
muito religiosa e lidera o grupo que vê no ressurgimento dos mortos um sinal
claro do fim dos tempos, enquanto Flora é ateísta e fã de Marilyn Manson), elas
se encontram três vezes por semana para jogar cartas e tomar chá. Ah, e elas
também têm um dom em comum: o “Faro”, ou uma sensibilidade extrema, uma
sensação olfativa apurada que as permite “sentir no ar” quando algo está
errado. A ligação mental delas é incrível, mas são os cuidados que uma tem com
a outra que tornam a relação das duas tão fascinante.
No
geral, gostei da abordagem mais intimista, que não trata os revividos como
meros zumbis comedores de cérebro. Todavia, achei o
final meio corrido. E esperava algo mais na linha do terrorzão tradicional
mesmo – o que o começo indica erroneamente. Se eu soubesse desde o início que
a trama seguiria essa linha, acho que teria gostado mais. Foi a mudança
inesperada que não funcionou muito bem para mim. Pelo menos não neste momento,
em que eu queria uma história com sangue e tripas voando pra todo lado...
“Flora
não conseguiu ver quem iniciou, mas, devagar, eles começaram a caminhar no
sentido horário. Logo depois um círculo irregular tinha se formado, com o poste
no meio. De vez em quando um se chocava com o outro, alguém perdia o equilíbrio
ou caía do lado de fora, mas acabava reocupando seu lugar na roda. E giravam,
não paravam de girar, e as sombras dos mortos iam deslizando pela fachada dos
prédios. Os mortos dançavam”.
Nota:
3,5/5
Este post faz parte do Desafio Volta ao Mundo em 80 Livros: [Suécia]. Para ver a apresentação do projeto e a lista de títulos/resenhas, clique AQUI ou no banner na coluna à direita.
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