O
post de hoje eu pretendia fazer em outubro, no especial de terror. Como o
horror da vida real tem superado (e muito) o da ficção, acabou não dando tempo.
Aproveito agora um momento de descanso para finalmente deixar aqui registrados 'Cinco
Filmes de Terror de Diretoras Brasileiras'.
O
despertar de Lilith (Lilith’s awakening, 2016 – Monica Demes) [Brasil]
Uma história de vampiros que mistura elementos de
Drácula com o mito bíblico de Lilith, a primeira mulher de Adão, anterior até
mesmo a Eva. O visual de Lilith (interpretada pela cantora Bárbara Eugenia) e a
opção pelo filme em preto e branco remetem ainda a outra referência do gênero:
‘Garota sombria caminha pela noite’. A história é simples: Lucy é uma mulher que vive numa cidadezinha americana no meio do nada e se sente um peixe fora d’água
em um mundo masculino (mora com o marido, trabalha na oficina mecânica do pai,
tem que lidar com homens lhe dizendo o que fazer o tempo inteiro). Um dia, Lucy
é agarrada por um dos funcionários da oficina, que ameaça contar tudo ao marido
e ao pai dela se ela não concordar em continuar se encontrando com ele às
escondidas. Lucy finge aceitar os termos para se livrar do cara, mas aquela
situação de violência gera mudanças na personagem. É assim que surge sua outra
personalidade, Lilith, aquela que subverte os papéis e coloca Lucy no comando
de sua própria vida. Embora seja uma trama até previsível, gostei de como foi
conduzida, com seus silêncios significativos, sua cadência lenta, com o uso
discreto das cores em algumas cenas para simbolizar as transformações de Lucy.
Virou um dos meus filmes favoritos.
Nota: 5/5
Monica Demes é uma diretora brasileira que estudou cinema em Madri e Nova York. Com
documentários e curtas no currículo, entre eles a premiada animação gótica
‘Halloween’, ela fez mestrado com ninguém mais, ninguém menos que David Lynch.
‘O despertar de Lilith’ é seu primeiro longa.
Não
olhe (Don’t look, 2018 – Luciana Faulhaber) [Brasil]
Cinco amigos vão passar o fim de semana na casa
isolada de um deles. Quando chegam lá, encontram o ex-caseiro e sua namorada,
que continuaram morando na propriedade após a trágica morte dos donos da casa,
anos atrás, e que agora agem como se fossem os proprietários do lugar. Quando
as pessoas reunidas no local começam a morrer uma a uma, é hora de a herdeira
legítima enfrentar seus fantasmas do passado e combater o assassino que está
acabando com os seus aguardados dias de folga no campo. Sim, essa coisa de um
grupo de amigos que se enfia no mato para aproveitar uns dias de descanso não é
nova e nunca dá certo. Mas o filme é divertido (para quem gosta do gênero, é
claro), tem umas mortes bacanas e seus momentos cômicos. Resumindo, um bom
passatempo.
Nota: 3/5
Luciana Faulhaber é formada originalmente em biologia, mas sempre teve
veia artística. Após alguns cursos na área do teatro, ela criou sua produtora,
a World Player’s, Inc., voltada para o circuito Off Broadway. Com o
sócio, Javier E Gómez, ela criou a Enuff Productions, voltada para o cinema,
que produziu dois curtas e o longa ‘Não Olhe’, que Luciana dirige e no qual
atua.
O
animal cordial (O animal cordial, 2017 – Gabriela Amaral Almeida) [Brasil]
Fim do expediente em um restaurante de classe média
meio decadente em
São Paulo. O pessoal da cozinha quer ir logo embora, a
garçonete quer ser notada pelo patrão, os clientes querem ser bem atendidos e o
dono do estabelecimento é uma bomba-relógio tentando manter as coisas sob
controle. Quando uma dupla de assaltantes
invade o local e abala o frágil equilíbrio do ambiente, as máscaras de
civilidade caem, revelando a verdadeira face desses animais domesticados. Nesse microcosmo da sociedade brasileira urbana, a
diretora discute questões de gênero e de classe sob os litros de sangue que
escorrem pela tela. Visualmente impecável, o filme acerta ainda ao criar
personagens humanos e uma protagonista incrível em sua viagem de
autodescobrimento e libertação. Filmaço! A crítica completa do filme foi
postada no blog Bagulhos Sinistros.
Nota: 4/5
Gabriela Amaral Almeida é dramaturga, roteirista e diretora. Com 5 curtas no
currículo de diretora, entre eles o suspense ‘Uma primavera’, de 2011, e o
premiado ‘A mão que afaga’, 2012. ‘O animal cordial’ foi seu primeiro
longa-metragem a chegar aos cinemas, em agosto de 2018, e pouco depois foi a
vez de ‘A sombra do pai’ também ganhar as telas.
As
boas maneiras (As boas maneiras, 2017 – Juliana Rojas, Marco Dutra)
[Brasil]
Ana é uma jovem endinheirada, porém solitária. Quando
engravida, ela se dá conta de que precisará de ajuda para cuidar do enorme
apartamento. Dentre todas as candidatas que entrevista para o cargo, acaba por
escolher Clara por causa dos conhecimentos de enfermagem da moça. Conforme a
gravidez avança, Ana vai desenvolvendo hábitos cada vez mais esquisitos, até
que o bebê finalmente nasce e... nem é difícil sacar logo o que está causando
as esquisitices de Ana. Mas não vou falar mais nada. O nascimento do bebê
divide o filme em duas partes bem distintas. Particularmente, acho a primeira bem mais
interessante, já que consegue tratar, ainda que discretamente, de questões de
classe, raça e gênero. “As boas maneiras” é, sobretudo, um filme sobre afetos que tem ares de fábula e elementos de terror e fantasia, flertando ainda com os
musicais. Sim, é uma mistura de gêneros que ora funciona, ora não. Em todo
caso, gostei do visual, da atmosfera e das questões que mencionei mais acima.
Vale a pena uma espiada.
Nota: 4/5
Juliana Rojas é montadora, roteirista e diretora. Da parceria que estabeleceu com o
diretor Marco Dutra já nasceram três curtas e dois longas (‘Trabalhar cansa’ e
‘As boas maneiras’). Seu primeiro longa-metragem como diretora solo foi
‘Sinfonia da Necrópole’ – que já resenhei AQUI.
M.F.A.
(M.F.A., 2017 – Natalia Leite) [Brasil]
Noelle é uma tímida estudante de artes que está
lutando para encontrar sua voz interior e uma forma de expressá-la com
autenticidade em seus trabalhos. Uma noite, ela vai a uma festa no campus da
universidade e é estuprada por um dos colegas de classe. Arrasada e tentando
colocar as ideias em ordem, ela decide confrontá-lo. Eles discutem e o cara
acaba morrendo acidentalmente. De algum modo, essas experiências traumáticas
são libertadoras para a garota. Filmes de rape revenge existem aos
montes e, sinceramente, não aguento mais vê-los. Claro que ver a protagonista
humilhada sair matando um bando de homem abusador é legal, você torce por ela e
por sua catarse. Mas no fim é triste ver como o estupro é sempre usado como
evento transformador, aquele que faz com que a pobrezinha da garota vire uma
‘mulher forte’. Na real, isso incomoda porque a esmagadora maioria das mulheres
que vivem esse pesadelo apenas seguem com suas vidas, traumatizadas e tentando
se recuperar, sem nenhuma mudança mágica empoderadora. Enfim... o legal desse
filme é que Noelle não vai atrás do cara para se vingar, ela só quer conversar.
No processo, ela descobre que o caso dela é apenas mais um no mar de denúncias
que as universidades americanas fazem de tudo para encobrir. Então, em vez de
ser um filme de vingança pura e simples, ele se torna um alerta, uma forma de
chamar a atenção do público para o assunto, um estímulo para as vítimas
denunciarem ou falarem sobre o tema em seu processo de cura. E, claro, é um
filme de terror muito bom.
Nota: 4/5
Natalia Leite é artista, atriz, escritora e diretora. No currículo, tem trabalhos
como fotógrafa, documentários, curtas, dois longas (‘Bare’, de 2015, e
‘M.F.A.’, de 2017), além de créditos de cocriação da websérie ‘Be here nowish’,
atualmente na segunda temporada.
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