quarta-feira, 28 de julho de 2021

Resenha: Corpos secos

Me interessei pelo livro depois de ver o bate-papo com uma das autoras. Achei a proposta inusitada: um romance escrito a oito mãos. O tema também me agrada: uma história pós-apocalíptica que se passa no Brasil, onde o uso desenfreado de agrotóxicos gerou uma epidemia que assolou o país e transformou quase todo mundo em uma espécie de zumbis chamados de “corpos secos”. As poucas pessoas que ainda não se contaminaram tentam sobreviver e chegar a um dos portos de onde zarparão embarcações para algumas ilhas. Acompanhamos a saga de 5 personagens principais: Um moço que é inexplicavelmente imune à praga e pode ser a solução do problema; um menino que, na fuga com o que resta de sua família, tenta a todo custo manter um peixe vivo num pote de plástico; uma dondoca que era esposa de fazendeiro e que subitamente se vê tendo que resolver tudo sozinha; e uma moça e um rapaz que são gêmeos e, a caminho de Florianópolis, passam pela casa dos pais.

Imagino que cada autor tenha escrito a história de um personagem (ou de dois, no caso dos gêmeos). Em geral, achei que funcionou bem, mas alguns personagens secundários interessantes foram subutilizados, e não consegui me conectar com todos os protagonistas. Inesperadamente, acabei gostando mais da história da dondoca. Só lamento que o desnecessário recurso de violência sexual como elemento transformador tenha sido usado. Tirando isso, foi, de longe, a mais criativa e empolgante, além de ter a fuga mais espetacular e cinematográfica do livro. Aliás, essa trama toda tem apelo visual. Daria um filme bem legal. Enfim... achei o conjunto da obra irregular e o resultado acabou sendo mediano. Mas tem o apelo da paisagem e da realidade conhecidas. Para mim, isso também conta.

“A cabeça está torta, há sangue nos ombros, pedaços parecem fora do lugar. Ela se vira em busca de ajuda, vê Cidão correndo, logo atrás o baixinho, Cotó. As meninas estão paradas ao lado da casa, de mãos dadas. É uma imagem que Regina não vai esquecer. Tampouco vai se esquecer das árvores. Elas se movem. Regina pisca os olhos embaçados. Os pássaros encobrem o sol, ela sente frio, o vento traz os grasnidos, mas não só os grasnidos, nem só fuligem; há um cheiro... de ovo podre, suor velho. Não são as árvores que caminham. São homens.”

Nota: 3/5

(publicado no Instagram em 28 de julho de 2021)

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