terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Resenha: Americanah


A história começa nos anos 90, em Lagos, na Nigéria. Ifemelu é uma adolescente vivendo o primeiro amor com Obinze. Mas o país enfrenta muitos problemas e tem um governo militar. Em busca de um futuro melhor, ela vai estudar nos Estados Unidos, mas jura um dia retomar o relacionamento com o amado. Ao chegar lá, se depara com uma realidade bem diferente da que havia imaginado e, pela primeira vez, se vê como negra. Pela primeira vez, isso faz diferença. Pela primeira vez, ela sofre preconceito, e não só racial, mas também por ser estrangeira e, ainda por cima, mulher.

Gosto muito da parte que narra a chegada de Imefelu à América. A ilusão de mundo encantado se desfazendo logo de cara, quando ela aterrissa toda encapotada e é recebida com um calor pior do que aquele com que estava acostumada na Nigéria. E então ela vai para a casa da tia, que havia migrado anos antes. E se depara com uma residência simples. E percebe que a tia se matava de estudar, trabalhava feito louca para pagar contas e que mal tinha tempo para ver o filho pequeno. A ficha cai: na ‘terra das oportunidades’ faz calor, há pobreza, preconceito e exploração.

O choque é triste, mas é bom porque abre os olhos de Ifemelu para a realidade - uma realidade diferente, mas que ela consegue captar nos mínimos detalhes, graças à sua perspicácia. Meio sem querer, ela começa a colocar suas observações no papel, ou melhor, na tela, e cria um blog. Como além de boa observadora ela também tem talento com as palavras, aos poucos sua página vai ganhando mais e mais seguidores e ela acaba fazendo de seus desabafos uma fonte de renda. É nos trechos do blog que a autora, Chimamanda, brilha com suas críticas à sociedade americana (mas não só a ela).

No entanto, se as críticas sociais são o ponto alto do livro, o restante não me cativou. A protagonista me pareceu um tanto presunçosa, julgando e apontando defeitos em todo mundo, como se ela isenta de tais falhas. Só que, no fundo, ela fazia exatamente as mesmas coisas. Por exemplo: ela criticava a tia por ter vivido como amante de um general na Nigéria, achava um absurdo as amigas nigerianas viverem em função de homem, julgava a patroa por estar sempre tentando agradar ao marido – mas, ao analisarmos as atitudes de Ifemelu diante dos homens com quem se relacionou, vemos que reproduzia esses comportamentos, servindo de troféu para um dos namorados, anulando suas opiniões quando estava com outro, voltando para a Nigéria atrás do amor de adolescência (que era casado na ocasião do retorno).

A dúvida que ficou foi: Será que a autora quis criar essa personagem que gosta de julgar e comete os mesmos erros para mostrar que nós também fazemos isso às vezes e, portanto, ela é uma criatura ficcional 100% crível? Será que Chimamanda quis criticar, por meio das ações de Ifemelu, esse comportamento incutido desde cedo na cabecinha feminina de que não importa as nossas conquistas, nunca seremos nada sem um homem do lado? Ou será que Ifemelu é só uma chata que gosta de bancar a superior?

De verdade, não sei. Mas isso me incomodou muito. O que foi até bom, pois levantou essas questões. E embora a escrita da Chimamanda seja incrível, acabou sendo enfadonho como romance em alguns momentos.

“Então ali estava ela, num dia repleto da opulência do verão, prestes a trançar o cabelo para a viagem de volta. O calor pegajoso se agarrava à sua pele. Havia pessoas com três vezes o seu peso na estação de Trenton, e Ifemelu olhou com admiração para uma delas, uma mulher com uma saia muito curta. Ela não dava importância a pernas esbeltas exibidas numa minissaia – era fácil e seguro, afinal, mostrar pernas que tinham a aprovação do mundo –, mas o ato da mulher gorda tinha aquela convicção silenciosa que alguém divide apenas consigo mesmo, uma noção do que é certo que os outros não podem ver.”

De qualquer forma, a leitura é válida pelos temas abordados e por gerar questionamentos. Recomendo.

Nota: 4/5

3 comentários:

Lua Limaverde disse...

Mi, eu também tive meus problemas com esse livro, apesar de que por boa parte do livro gostei muito, mas depois que ela volta pra Nigéria o livro cai demais. Vejo que muita gente não gostou dela, eu achei uma ótima personagem, mesmo aqui e ali tendo raiva de algumas atitudes dela, eu levei mais pro lado humano mesmo, como você comentou. Na verdade o que me incomodou mesmo no livro foi que eu achei a escrita dela muito simples (eu tava esperando um negócio mais elaborado, que é típico dos africanos), meio "escrita de best seller", mas quero ler os outros livros dela pra saber se foi porque ela quis atingir um público maior nesse livro. Beijinho!!

Ingrit Tavares disse...

Tenho bastante vontade de ler esse livro, mas vejo que, apesar de ter muita gente que ama, várias pessoas apontam defeitos. Tenho Meio Sol Amarelo e Hibisco Roxo, mas nunca li nenhum.

Michelle disse...

Lua,
Sim! Ifemelu me irritou em vários momentos, mas depois fiquei pensando... 'Quem nunca?'. Ela incomoda porque faz coisas bobas, se contradiz, não reage... Quer algo mais falho e humano que isso?
Quanto à escrita, não esperava nada - o que foi bom.
Estou curiosa para ler outras coisas da Chimamanda.

Ingrit,
Acho que nem são defeitos do livro, e sim da personagem, de sua humanidade mesmo. De certa maneira, valoriza o livro essa protagonista tão 'real'.