segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Resenha: We Have Always Lived in the Castle


Merricat e Constance Blackwood vivem isoladas em um casarão com seu velho tio, Julian, e o gato Jonas. Apesar da rotina rígida que impõem a si mesmos, eles aparentemente são felizes em seu pequeno universo particular. No entanto, a chegada do primo Charles, com quem as moças não tinham contato havia anos, afeta o delicado equilíbrio daquele núcleo familiar e leva a um desfecho da história no mínimo intrigante.

O livro começa com Merricat indo ao mercado da cidade para comprar mantimentos, uma de suas atividades realizadas religiosamente toda semana – a outra é ir à biblioteca. E já no início da história percebemos que há algo errado e incômodo ali: as crianças zombam da garota, os adultos cochicham ao vê-la passar, os homens a intimidam quando ela vai tomar café. Algumas páginas adiante é revelado o motivo de tal comportamento por parte dos moradores: os três Blackwood restantes são os únicos que sobreviveram a um jantar envenenado com arsênico na mansão da família.

Constance, a irmã mais velha, é suposta culpada do crime, mas o estigma também recai sobre Merricat, uma vez que a jovem é cheia de TOCs e os Blackwood já não eram benquistos na região por serem considerados arrogantes. Sendo desde sempre uma das famílias mais abastadas da área, eles jamais haviam se misturado com os vizinhos mais pobres e, inclusive, mandaram fechar um atalho que cortava suas terras, o que, obviamente, gerou ainda mais antipatia nos demais moradores.

Mas falando dos personagens, Constance é aquela que se doa incansavelmente, que cozinha para os três, que cuida da horta, que faz questão de manter a casa impecavelmente limpa e cada objeto no lugar exato em que estava antes da morte de grande parte da família. Ela assume o papel de mãe de Merricat e paga o preço dos erros da outra sem pestanejar e ainda encarna a enfermeira dedicada do tio enfermo. Manter tudo sob controle e continuar sendo amada pela irmã são suas motivações na vida e é por isso que, quando o primo Charles aparece, por um instante ela vê a possibilidade de uma vida normal e esse breve vacilo dela coloca a estabilidade do seu universo familiar em risco.

Merricat, por sua vez, é realmente estranha. Ela tem a mania de enterrar objetos no jardim, fala constantemente em como é viver na lua, cria amuletos aos quais atribui o poder de mudar o destino. Seu comportamento é extremamente infantil (o que me irritou em alguns momentos, mas no fim acabei entendo que era preciso ser assim), tanto que até esquecia que ela tem 18 anos. Sua relação com a irmã é, ao mesmo tempo, de cumplicidade e de manipulação: dá para ver que ela gosta muito de Constance (já que é sua única parente viva; tio Julian não conta para ela), mas também fica claro que ela se faz de inocente e desprotegida para induzir a irmã a agir do modo que mais lhe convém.

Embora o livro seja classificado como terror, já digo que a tensão toda fica no campo psicológico – não espere mortes violentas e criaturas sobrenaturais malignas. Com uma história gostosa de ler e aparentemente simples, Shirley Jackson aborda nas entrelinhas temas como diferenças sociais, o papel da mulher na sociedade e sua suposta fragilidade (que impede que sejam vistas como seres capazes da matar), o destino daquelas que não agem como esperado (isolamento, pecha de 'louca', solteirona, etc), o fascínio mórbido pelos criminosos e comportamento de massa, entre outros.

Conversando sobre o livro no clube de leitura, alguns pensamentos me vieram à mente: 1) a semelhança da história de Merricat e Constance com a das irmãs Lizzie e Emma Borden (e descobri que a autora se inspirou mesmo no caso real – já falei aqui do filme e da série); 2) a diferença de tratamento baseada na classe social da criminosa/culpada (no caso das Borden e das Blackwood - de famílias ricas - a falta de evidências que comprovassem o assassinato colocou as suspeitas em liberdade; no caso de Grace Marks, de 'Vulgo Grace', a inexistência de provas e um julgamento apressado condenaram a empregada suspeita à forca – pena comutada em prisão perpétua); e 3) embora assassinatos cometidos por mulheres chamem muita atenção e ganhem destaque na mídia, se transformando, muitas vezes, em lendas/mitos, o fascínio inicial pelas criminosas não se mantém – elas terminam estigmatizadas, sozinhas e isoladas, ao contrário do que acontece com criminosos do sexo masculino como, por exemplo, Charles Manson, Maníaco do Parque, e muitos outros, cujo poder de atração do sexo oposto aumenta com o passar dos anos. Bizarro isso, não?

De todo modo, seja como uma leitura descompromissada para relaxar, seja para analisar mais profundamente a trama criada por Jackson, 'Sempre vivemos no castelo' [título em português lançado recentemente pela Suma de Letras] é uma história que recomendo a todos (até àqueles que têm medo de terror, viu?).

Nota: 4/5

3 comentários:

Anônimo disse...

Parece ser interessante esse livro. Você disse na resenha, mas só para confirmar, o nome do livro em português é “Sempre Vivemos no Castelo”? Beijos, Michelle!

Michelle disse...

Oi, Lulu! Esse mesmo :)

Anônimo disse...

Valeu por confirmar, Michelle! (^_~)