sexta-feira, 25 de maio de 2018

Filme: Fahrenheit 451



Numa época futura indeterminada, bombeiros são os responsáveis por queimar livros, o símbolo de cérebros pensantes – e, portanto, perigosos – de uma outra era. Nesse novo mundo, Guy Montag (Michael B. Jordan) é um jovem bombeiro empenhado que parece ter uma carreira de sucesso pela frente, seguindo os passos de Beatty (Michael Shannon), seu capitão e mentor, mas quando seu caminho cruza com o de Clarisse (Sofia Boutella) ele começa a perceber que a “verdade” pregada pelo governo não é tão verdadeira assim.

“Fahrenheit 451”, na forma da graphic novel e, posteriormente, do livro, foi a história que me fez tomar gosto pela ficção científica. Então é claro que fiquei empolgada quando soube que a HBO estava preparando mais uma adaptação para as telas. E, apesar do monte de comentários negativos que li sobre a nova versão do filme, acho que o saldo foi positivo, embora ele tenha, sim, seus problemas.


Em linhas gerais, a história do bombeiro apático que seguia ordens sem questionar até que se deixa envolver pelos livros (e pela jovem informante) e passa a enxergar a realidade do mundo ilusoriamente perfeito em que vive é fiel ao espírito do livro. Neste post quero apenas destacar algumas mudanças e atualizações que chamaram a minha atenção, pois já falei do livro, da graphic novel e do filme do Truffaut aqui.

A Clarisse da nova versão ganhou relevância e credibilidade, pois passou de uma adolescente meio esquisita e um tanto inocente para uma moça que faz parte da resistência, mas que, para sobreviver no submundo, às vezes precisa fazer coisas questionáveis (como servir de informante para os bombeiros e contrabandear alguns produtos). Ela também assume o posto de interesse romântico de Montag, já que no novo filme ele não é mais casado. Eu nunca veja motivo para enfiarem casaizinhos românticos em filmes (neste não é diferente), e a função da antiga esposa, que era mostrar a população viciada em remédios que garantiam a felicidade contínua e sem esforço, agora passou para o próprio Montag, que vivia alienado porque pingava o colírio que turvava sua visão.


Aliás, o interessante do filme são os paradoxos: os bombeiros que incendeiam as coisas em vez de apagar o fogo (como já existia no livro); o colírio que faz com que as pessoas não enxerguem a realidade; a mensagem ‘Viva Intensamente’ exibida constantemente a uma população cuja ‘vida intensa’ se resume a ficar conectada de algum modo o tempo todo, sem interação real, dando joinhas, coraçõezinhos e carinhas felizes às notícias mastigadas que são exibidas nas fachadas dos prédios, bem à la Blade Runner. A própria mensagem em inglês ‘Stay Vivid’ é um tanto irônica e paradoxal, pois sempre aparece junto da imagem de algum animal (provavelmente extinto naquele universo).


Na produção da HBO, o alerta que Bradbury já fazia em seu livro sobre a busca pela felicidade fácil e instantânea cada dia mais comum se soma à espetacularização da violência e ao julgamento imediato pela sociedade (algo potencializado pela internet, que não existia na época em que o autor escreveu sua obra). Mas é justamente com relação à internet que o filme peca ao demonizar apenas os livros impressos. Os livros digitais até são mostrados em determinada cena, mas parece que o potencial de disseminação online dessas obras é subestimado. Se há uma coisa que a humanidade sabe fazer bem é quebrar regras e ‘dar jeitinhos’ para conseguir o que quer na ilegalidade – provavelmente isso é algo que sempre existirá. Como é que, então, os livros não circulariam na clandestinidade no meio virtual? Obviamente o desinteresse das pessoas pela leitura e informação tem um papel nisso, mas não elimina totalmente o uso dessa via alternativa de compartilhamento de dados.


Embora eu tenha gostado da forma como a história foi atualizada para o visual e o ritmo do Século 21, não posso dizer o mesmo do desfecho. Jogaram umas coisas de genética no meio e um moleque com memória de máquina como possíveis formas de salvar a história da humanidade gravada nos livros, mas não houve explicação decente da tecnologia envolvida, e nem vou falar do quanto é boba a ideia de um garoto de ouro capaz de decorar infinitas obras literárias.

Ainda que não seja excelente e que tenha derrapado em alguns momentos, acho um filme válido, que cumpre a função de trazer a história do Bradbury para os dias atuais, com questões e estética condizentes com nosso tempo.

Nota: 3,5/5


Trailer legendado


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