O livro é basicamente um diário de memórias de quando, no início do Século XX, a autora morou no Quênia, onde tinha uma fazenda de café com o marido, que logo dá o fora e deixa o empreendimento nas mãos de Karen. Sem dúvida, foi uma vida dura. Cuidar da terra, ficando à mercê do clima e de elementos que não podem ser controlados (como as ondas de gafanhotos), é arriscado em qualquer época, principalmente num tempo em que não havia automatização, tudo era na base da força humana e dos animais de tração. E havia o isolamento pela distância e pelos meios de comunicação e transporte do período. Ou seja, era bem difícil mesmo.
Mas apesar de reconhecer todo o empenho de Karen e as dificuldades que enfrentou em sua vida, não dá para ignorar o incômodo causado por sua narrativa de branca europeia colonizadora que, embora seja ela quem destoe da paisagem, considera tudo ao seu redor exótico e estranho. Engraçado como os costumes dos nativos, aos olhos da narradora, sejam peculiares e irracionais, mas o fato de ela mesma insistir em transportar um pedaço de sua terra natal para um lugar de clima totalmente diferente lhe parece sensato (como quando tenta plantar umas flores típicas da Dinamarca em pleno solo africano); ou como sua intenção de colecionar troféus de caça seja considerada perfeitamente razoável (claro que tem a ver com a época, mas enfim...).
Por isso, achei a obra, no geral, interessante, mas não brilhante. O que mais me agradou foram as passagens em que ela usa sua habilidade com as palavras para descrever paisagens e momentos do seu cotidiano. Aí sim ela mostra o talento pelo qual ficaria conhecida no mundo todo.
“Quando ouvíamos o ruído sibilante cada vez mais agudo sobre nossas cabeças, era o vento nas altas árvores da floresta – mas ainda não era a chuva. Quando ele corria rente ao chão, era o vento nas moitas e no capim – mas ainda não era a chuva. Quando farfalhava e crepitava um pouco mais acima, era o vento nos milharais – onde soava de modo tão parecido com a chuva que vezes sem conta acabávamos enganados, e até mesmo tirávamos alguma satisfação disto, como se pelo menos estivéssemos vendo num palco aquilo que tanto desejávamos – mas ainda não era a chuva. Todavia, quando a terra, como um tambor, respondia com um profundo e fértil rugido, e o mundo cantava a nossa volta em todas as suas dimensões, tanto acima como embaixo – aí então despencava a chuva. Então, era como retornar ao mar após uma longa ausência, era como o abraço de um amante”.
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