quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Resenha: O Novo Horror


Lançado em 2021, “O Novo Horror” tem uma proposta interessante: retratar os temores dos jovens brasileiros. Se a COVID-19 tornou a existência neste planeta mais assustadora do que já era, sobreviver a esse cenário de filme de terror no Brasil dos últimos anos gerou matéria-prima abundante para escritores da nova geração produzirem contos bem perturbadores. Os 20 textos exploram o medo em suas diversas vertentes, incluindo o horror cotidiano (mudanças climáticas, fanatismo religioso, violência urbana, racismo, etc), o horror sobrenatural (casas assombradas, eventos inexplicáveis) e o horror psicológico (o inimigo interior, a percepção distorcida, a alucinação).

Um dos meus contos preferidos é “A Parte de Dentro”, de Irka Barrios, sobre uma menina que machuca a perna e tem um processo de cicatrização complicado. Já adulta, esse ferimento do passado volta para perturbá-la. A autora explora muito bem o horror corporal. Me fez lembrar o ótimo terror francês “Em Minha Pele”, da diretora Marina de Van (recomendo muitíssimo, aliás).

Outro que me agradou demais foi “Os Novos Residentes”, de Isabor Quintiere, que fala sobre um homem cego que mora sozinho, mas que um dia começa a ouvir ruídos estranhos em sua casa. Sem conseguir identificar a origem do som, ele é obrigado a chamar o irmão, com quem não se dá bem, para tentar descobrir o que está havendo. Mas resolver o problema não é fácil e o caos e o pavor vão só aumentando. Tem uma vibe bem legal de casa assombrada e uma carga psicológica forte.

A história de “Purificação” também me aterrorizou. Nela, um garoto e sua irmãzinha são deixados aos cuidados da avó quando a mãe deles é hospitalizada. A senhora se desdobra para cuidar das duas crianças, mas o menino começa a acreditar que ela é uma bruxa e resolve agir para se livrar da ameaça. Larissa Prado, a autora, conseguiu criar muita tensão nessa trama em ambiente doméstico que tem como protagonista uma criança capaz de atos de extrema crueldade. Se fosse um filme, entraria fácil na minha lista de boas produções com crianças malignas.

“Ainda recordo o dia em que perdi a alma; foi quando encarei os olhos rajados de Meretseger e, diante do globo ocular imerso em sangue, reconheci meu verdadeiro rosto, aquele que o espelho só revela no escuro. Não é uma coincidência que também tenha sido o último dia em que a minha sanidade respirou.”
(“Meretseger”, de Gustavo Melo Czekster)

Nota: 3/5

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