Em
um vilarejo do estado de Guerrero,
um dos mais violentos do México, as
meninas são roubadas pelo narcotráfico, então as mães são obrigadas a “enfeiá-las” e escondê-las em buracos para que não sejam raptadas. A vida
dessas meninas e de suas mães é narrada por Ladydi, que costura fragmentos de sua própria história com a de
suas três melhores amigas e a de outras mulheres para montar o painel da dura
realidade que elas enfrentam todos os dias. No entanto, embora a trama seja
pesada, a escrita da autora é leve e fluida, e a sinceridade e a simplicidade
das observações de Rita, mãe de
Ladydi, fazem rir de situações que seriam cômicas, se não fossem inspiradas em
fatos reais e evidenciassem a tragédia de tal constatação.
O
pequeno vilarejo mexicano retratado no livro é um lugar em que só existem
mulheres. Os homens - maridos e filhos dessas mulheres - são obrigados a partir
desse local miserável e esquecido pelo resto do mundo para tentar a sorte e,
talvez, melhorar a vida da família. As opções que eles têm não são muitas: ou
acabam no tráfico ou tentam cruzar a fronteira para os Estados Unidos. O
resultado, no entanto, é ruim de qualquer jeito pois, se não morrem na
criminalidade ou tentando entrar ilegalmente em outro país, acabam trabalhando
como clandestinos na América e, muitas vezes, abandonam a antiga família no
México, sem nem ao menos lhe mandar dinheiro; ou até voltam para casa, só para
dar às esposas um ‘presente’ fatal: o vírus da AIDS e de outras doenças.
Assim,
é um povoado de mulheres que foram abandonadas: por seus esposos, pelas
autoridades (que, além de não garantirem condições de vida e nem mesmo a
segurança delas, ainda joga pesticida sobre as moradoras) e até por Deus (em
determinado momento, Rita diz à filha para jamais pedir a Deus algo que quisesse
de verdade, porque, se ele soubesse o que era, não daria; ela diz coisas do
tipo ‘nunca reze por amor ou saúde; em vez disso reze por colheres’). O que
resta a essas mulheres é fazer o que for preciso para defender a si mesmas e às
filhas, que, desde pequenas, são vestidas como meninos, têm o cabelo cortado e
os dentes pintados; quando entram na adolescência, não podem mais contar com
esse disfarce e passam, então, a apurar os ouvidos e os olhos em busca do menor
sinal de carrões que indiquem o perigo dos traficantes, e correm para se
esconder em buracos cavados na terra, para que não sejam raptadas.
Ladydi, que ganhou esse nome devido ao
vício de sua mãe em documentários do History Channel, mas não como uma
homenagem, e sim como vingança, como explica em certo momento, conta como é seu
dia a dia, as dificuldades na escola, as discussões com a mãe, as conversas com
as amigas. Uma delas, Paula,
considerada mais bonita que a Jennifer López, é roubada e aparece um ano
depois, fugida, catatônica, cheia de piercings, tatuagens e queimaduras de
cigarro. Só descobrimos o que aconteceu com ela aos poucos, conforme a
narrativa avança e retrocede no tempo. Aos pedaços, vamos também conhecendo a
relação de Ladydi com Estefania, a
amiga negra e alta, que tinha uma casa bonita porque o pai mandava dinheiro dos
EUA, e Maria, a garota que era
considerada sortuda por ter nascido com lábio leporino e, portanto, já ser feia
por natureza.
O
livro é dividido em 3 partes e, se na primeira conhecemos Guerrero e suas
peculiaridades, na segunda Ladydi parece finalmente enxergar uma luz no fim do
túnel e vive momentos idílicos, mas, como todo sonho, um dia acaba, e ainda se
transforma em pesadelo, o que nos leva para a terceira e última parte, em mais
uma mudança de cenário. Embora a parte 1 seja a mais marcante e com personagens
mais bem delineados, as três seções são importantes para contar a história e
ajudam a entender melhor os problemas enfrentados não só pela protagonista e pelas mulheres do povoado mexicano, mas pelo sexo feminino em geral.
Minha
personagem preferida é a mãe de Ladydi, Rita.
Apesar de ser uma pessoa amarga, dura, alcoólatra e de temperamento difícil, o
que tornava ainda mais pesado o fardo de sua filha, ela é também uma mulher
incrível, que não faz média e não segura a língua dentro da boca quando algo
lhe incomoda. Por baixo de sua casca dura, é possível enxergar uma mãe dedicada
e amorosa (do seu jeito peculiar), uma vizinha sempre pronta para ajudar (mesmo
que fosse um tanto invejosa e tivesse o hábito de furtar coisas na casa alheia)
e uma mulher forte que, mesmo que soasse grosseira e insensível, dava conselhos
valiosos. Suas palavras me fizeram rir muitas vezes e ficaram ecoando na minha
cabeça depois da leitura, quando então a dureza da realidade que ela disfarçava
em comicidade me atingia.
O
livro foi lançado no Brasil pela Editora
Rocco com o título “Reze pelas
mulheres roubadas” e, embora seja ficção, é fruto de inúmeras entrevistas
que Jennifer Clement, autora americana nascida no México, realizou com
mulheres em sua terra natal ao longo de dez anos. A escritora fala AQUI como
foi escrever o livro.
Uma
história de amizade, amor materno, abandono, realidade. E de mulheres. Objetos,
descartáveis, invisíveis. Leitura mais que recomendada!
Outras pessoas falando de "Reze pelas Mulheres Roubadas":
4 comentários:
A narrativa de “Reze pelas mulheres roubadas” me parece bastante intensa. Enfim, curiosíssima! Beijos, Michelle!
Michelle, que vontade de ler esse livro. Parece doloroso e bonito. E essa capa é linda, gostei mais que a nacional.
Bjos
Nossa, que livro forte, Michelle. Em breve criarei forças para iniciar a leitura. Só não entendi porque você só deu três estrelas...
Beijo! ^_^
Que triste viver assim... Ou melhor, sobreviver...
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