sábado, 25 de abril de 2015

Resenha: Prayers for the Stolen


Em um vilarejo do estado de Guerrero, um dos mais violentos do México, as meninas são roubadas pelo narcotráfico, então as mães são obrigadas a “enfeiá-las” e escondê-las em buracos para que não sejam raptadas. A vida dessas meninas e de suas mães é narrada por Ladydi, que costura fragmentos de sua própria história com a de suas três melhores amigas e a de outras mulheres para montar o painel da dura realidade que elas enfrentam todos os dias. No entanto, embora a trama seja pesada, a escrita da autora é leve e fluida, e a sinceridade e a simplicidade das observações de Rita, mãe de Ladydi, fazem rir de situações que seriam cômicas, se não fossem inspiradas em fatos reais e evidenciassem a tragédia de tal constatação.

O pequeno vilarejo mexicano retratado no livro é um lugar em que só existem mulheres. Os homens - maridos e filhos dessas mulheres - são obrigados a partir desse local miserável e esquecido pelo resto do mundo para tentar a sorte e, talvez, melhorar a vida da família. As opções que eles têm não são muitas: ou acabam no tráfico ou tentam cruzar a fronteira para os Estados Unidos. O resultado, no entanto, é ruim de qualquer jeito pois, se não morrem na criminalidade ou tentando entrar ilegalmente em outro país, acabam trabalhando como clandestinos na América e, muitas vezes, abandonam a antiga família no México, sem nem ao menos lhe mandar dinheiro; ou até voltam para casa, só para dar às esposas um ‘presente’ fatal: o vírus da AIDS e de outras doenças.

Assim, é um povoado de mulheres que foram abandonadas: por seus esposos, pelas autoridades (que, além de não garantirem condições de vida e nem mesmo a segurança delas, ainda joga pesticida sobre as moradoras) e até por Deus (em determinado momento, Rita diz à filha para jamais pedir a Deus algo que quisesse de verdade, porque, se ele soubesse o que era, não daria; ela diz coisas do tipo ‘nunca reze por amor ou saúde; em vez disso reze por colheres’). O que resta a essas mulheres é fazer o que for preciso para defender a si mesmas e às filhas, que, desde pequenas, são vestidas como meninos, têm o cabelo cortado e os dentes pintados; quando entram na adolescência, não podem mais contar com esse disfarce e passam, então, a apurar os ouvidos e os olhos em busca do menor sinal de carrões que indiquem o perigo dos traficantes, e correm para se esconder em buracos cavados na terra, para que não sejam raptadas.

Ladydi, que ganhou esse nome devido ao vício de sua mãe em documentários do History Channel, mas não como uma homenagem, e sim como vingança, como explica em certo momento, conta como é seu dia a dia, as dificuldades na escola, as discussões com a mãe, as conversas com as amigas. Uma delas, Paula, considerada mais bonita que a Jennifer López, é roubada e aparece um ano depois, fugida, catatônica, cheia de piercings, tatuagens e queimaduras de cigarro. Só descobrimos o que aconteceu com ela aos poucos, conforme a narrativa avança e retrocede no tempo. Aos pedaços, vamos também conhecendo a relação de Ladydi com Estefania, a amiga negra e alta, que tinha uma casa bonita porque o pai mandava dinheiro dos EUA, e Maria, a garota que era considerada sortuda por ter nascido com lábio leporino e, portanto, já ser feia por natureza. 

O livro é dividido em 3 partes e, se na primeira conhecemos Guerrero e suas peculiaridades, na segunda Ladydi parece finalmente enxergar uma luz no fim do túnel e vive momentos idílicos, mas, como todo sonho, um dia acaba, e ainda se transforma em pesadelo, o que nos leva para a terceira e última parte, em mais uma mudança de cenário. Embora a parte 1 seja a mais marcante e com personagens mais bem delineados, as três seções são importantes para contar a história e ajudam a entender melhor os problemas enfrentados não só pela protagonista e pelas mulheres do povoado mexicano, mas pelo sexo feminino em geral.

Minha personagem preferida é a mãe de Ladydi, Rita. Apesar de ser uma pessoa amarga, dura, alcoólatra e de temperamento difícil, o que tornava ainda mais pesado o fardo de sua filha, ela é também uma mulher incrível, que não faz média e não segura a língua dentro da boca quando algo lhe incomoda. Por baixo de sua casca dura, é possível enxergar uma mãe dedicada e amorosa (do seu jeito peculiar), uma vizinha sempre pronta para ajudar (mesmo que fosse um tanto invejosa e tivesse o hábito de furtar coisas na casa alheia) e uma mulher forte que, mesmo que soasse grosseira e insensível, dava conselhos valiosos. Suas palavras me fizeram rir muitas vezes e ficaram ecoando na minha cabeça depois da leitura, quando então a dureza da realidade que ela disfarçava em comicidade me atingia.

O livro foi lançado no Brasil pela Editora Rocco com o título “Reze pelas mulheres roubadas” e, embora seja ficção, é fruto de inúmeras entrevistas que Jennifer Clement, autora americana nascida no México, realizou com mulheres em sua terra natal ao longo de dez anos. A escritora fala AQUI como foi escrever o livro.

Uma história de amizade, amor materno, abandono, realidade. E de mulheres. Objetos, descartáveis, invisíveis. Leitura mais que recomendada!

Outras pessoas falando de "Reze pelas Mulheres Roubadas":



4 comentários:

Anônimo disse...

A narrativa de “Reze pelas mulheres roubadas” me parece bastante intensa. Enfim, curiosíssima! Beijos, Michelle!

Unknown disse...

Michelle, que vontade de ler esse livro. Parece doloroso e bonito. E essa capa é linda, gostei mais que a nacional.
Bjos

Eduarda Sampaio disse...

Nossa, que livro forte, Michelle. Em breve criarei forças para iniciar a leitura. Só não entendi porque você só deu três estrelas...
Beijo! ^_^

Anônimo disse...

Que triste viver assim... Ou melhor, sobreviver...