Uma moça acorda em uma casa que não é a sua, depois de
supostamente ter sofrido um acidente numa cascata. Todos a chamam de Karen, mas
ela não se lembra de nada e não se identifica com a pessoa que os outros lhe
dizem que ela é. Enquanto tenta recuperar a memória, ela procura se encaixar
naquele quadro estranho, esforçando-se para gostar do que a empregada Emily diz
que Karen gosta e para ter a personalidade que o marido Alan afirma que Karen
tem. Mas quanto mais conhece Karen, mais certeza ela tem de que está vivendo a
vida de outra pessoa. Será?
Nesses últimos meses, mal tenho tido tempo de
ler, então "Karen" me atraiu por ser um suspense psicológico, claro,
mas também porque é um livro de poucas páginas com capítulos bem curtinhos (em
média, 5 páginas cada um). Como eu estava conseguindo manter a atenção na
leitura por pouco tempo antes de cair no sono, foi perfeito. O fato de ter sido
escrito por uma portuguesa e ambientado na Inglaterra também foi um ponto que
aguçou minha curiosidade. Durante a leitura, descobri mais uma característica
positiva: muitas referências à literatura, à pintura e ao cinema.
Considerando o tamanho do livro, eu poderia dizer que
as referências parecem ser demasiadas até, pelo menos à primeira vista. Mas
olhando com mais atenção, dá para notar que não são gratuitas, já que a moça
desmemoriada é pintora e Alan é escritor. Já o cinema, aparece na descrição das
ruas de Londres e na atmosfera daquela cidade como retratada em diversos
filmes. Além disso, na casa isolada em que moram em Northumberland, no extremo
norte da Inglaterra, eles passam as noites assistindo a séries policiais, o que
também colabora para o ar de mistério da história.
Embora o final não esclareça completamente as coisas,
o que mais gostei no livro foi o suspense mesmo, a angústia que partilhei com a
protagonista por não saber se ela estava achando as coisas estranhas porque
realmente havia perdido a memória ou porque estava sendo vítima de um golpe
arquitetado por Alan e Emily. Karen é superprotegida por eles o tempo todo. No
início, Karen (e eu) compreende esse comportamento, já que está confusa e com o
tornozelo machucado. Mas conforme os dias passam, ela quer entender melhor quem
é essa Karen – a sensação de ser uma impostora só cresce – e por que parece
que eles não a querem deixar sair de casa. O legal é que, como a história é
narrada pela protagonista, nunca sabemos ao certo se as coisas são, de fato,
como ela conta ou se ela está enxergando as coisas daquele jeito. Essa dúvida
persiste até a última página.
A escrita de Ana Teresa Pereira é tão boa que eu
mergulhei fundo na história e na piração da protagonista. No início, eu estava
mesmo me compadecendo da suposta Karen e de sua desorientação. Depois,
embarquei em seus pensamentos conspiratórios quando ela passou a desconfiar de
Alan e Emily. Quando ela começa a descobrir em si mesma indícios de que talvez
não fosse a pintora que tinha certeza de ser e passa a cogitar se a sua vida em
Londres é que era inventada, eu fiquei tão chocada e aflita quanto ela (o fato
de a protagonista dizer algumas vezes que as ruas de Londres pareciam cenários
de filmes reforça essa suposição).
Realmente, eu não consegui chegar a nenhuma conclusão,
sobre se a vida real da personagem principal era a da moça urbana que flanava por
galerias de arte em Londres e que tinha um gato e um apartamento com gerânios
na janela, ou se a existência de Karen é que era a verdadeira e ela havia de
fato perdido a memória. Mas como eu disse, essa indefinição não me incomodou
nem um pouco porque foi o processo mental aflitivo da personagem-título que me
prendeu.
Se você também é do tipo que gosta de histórias em que
o que se passa na mente dos personagens é mais importante do que o que acontece
no mundo real e está mais interessado em sensações do que em resoluções, "Karen"
é o seu livro.
“Mas naquela manhã havia algo de diferente. Abrira os
olhos por um segundo e voltara a fechá-los, mas o cheiro do meu cabelo que caía
sobre o rosto não era o habitual cheiro a ervas mas cheiro a flores. Aproximei o
pulso da face e senti o cheiro a rosas, um pouco acre. Então abri os olhos.
(...)
Voltei-me para a outra mesa-de-cabeceira e a princípio
não reconheci a rapariga na foto. Era uma foto a preto-e-branco, e a rapariga
devia estar num bosque. Tinha o cabelo preso na nuca, um casaco escuro e uma
expressão melancólica no rosto. Com um estremecimento, percebi que a rapariga
era eu.”
Nota: 4/5
Este post faz parte do Desafio Volta ao Mundo em 80 Livros: [Portugal]. Para ver a apresentação do projeto e a lista de títulos/resenhas, clique AQUI ou no banner na coluna à direita.
2 comentários:
Nunca tinha ouvido falar desse livro, parece bem interessante (e ser curto é algo que também me atrai). Gosto desse tipo de história em que não se sabe muito bem o que está acontecendo e quem está dizendo a verdade.
Lígia,
Ficar na dúvida sobre quem está mentindo é bem legal (nesses casos... rs)
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