segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Veja Mais Mulheres: Filme #25 - A Teta Assustada


Fausta é uma moça que sofre de “teta assustada”, um termo usado no Peru para justificar o medo infinito e paralisante que acomete crianças sem alma nascidas de mães violentadas pelos guerrilheiros. O mal é transmitido para os bebês pelo leite materno, como uma doença. A protagonista, que sempre viveu só com a mãe, de repente se vê totalmente desprotegida diante de sua morte, e precisa lutar para superar seus temores e para conseguir dinheiro para realizar o enterro no distante povoado natal da genitora.


Fausta tinha uma relação de muita proximidade com a mãe, que sempre revivia os horrores do passado na forma de música, para manter a filha alerta. Ainda que a situação do país tenha mudado e a ação dos guerrilheiros não seja mais tão intensa, o pavor constante de ser estuprada faz com que a garota mantenha uma batata germinando na vagina há anos, o que, é claro, causa problemas de saúde. Quando os desmaios e sangramentos se tornam mais frequentes, o tio a leva ao médico na cidade, e o doutor, com seu pensamento racional e total desconhecimento do que o medo de ser estuprada significa para uma mulher, invalida os temores da garota, diz que a explicação popular para a "teta assustada" é bobagem e fala que vai indicar a ela métodos contraceptivos mais eficientes” – ele simplesmente não percebe a função da batata, não nota o quanto a moça fica aterrorizada na presença de homens e que, obviamente, não se relaciona com eles.


Só que Fausta deixa de lado seus problemas de saúde para tratar de algo mais importante: conseguir dinheiro para levar a mãe para ser enterrada em seu povoado natal. Então, aceita um emprego de doméstica na casa de uma rica pianista, se submete aos caprichos da patroa e enfrenta o medo de andar sozinha nas ruas para realizar o último desejo da mãe. Apesar de achar a patroa pilantra e detestar a forma como ela trata a moça, reconheço que, sem querer, ela acabou obrigando Fausta a encarar os desafios do dia a dia e deu a ela a chance de uma vida mais 'normal'.


Uma das coisas que mais gostei no filme é a forma como Fausta e sua mãe conversavam: por música. Embora o conteúdo das conversas fosse sempre muito pesado e triste, o tom melodioso que elas colocavam nas palavras tornava tudo muito bonito. E faz todo sentido usar a beleza das canções para amenizar os horrores da situação. Outra cena que me agradou é aquela que se desenrola dentro do ônibus, quando Fausta e seu tio estão voltando para casa depois da consulta médica e ela tenta explicar a ele por que usava a batata: "Só o asco mantém o asqueroso afastado”. Triste pensar no mal que as pessoas fazem a si mesmas para tentar se proteger do mundo, e mais triste ainda imaginar que, às vezes, isso não é suficiente.


Para contrabalancear o medo de Fausta, os abusos da patroa e a perda da mãe, a história conta com momentos delicados entre a moça e o jardineiro da casa em que trabalha. Mesmo insegura, ela se permite conversar com ele, aprende sobre plantas, deixa que ele se aproxime e a leve em casa; ele percebe o quanto ela é arredia, mas não força a barra, tenta ajudá-la como pode. Adoro a discussão que eles têm sobre batatas e a sensibilidade dele.

Um filme triste e bonito na mesma medida. Recomendo muito.

Nota: 4/5
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Sobre a diretora:

Claudia Llosa é uma roteirista, produtora e diretora nascida em Lima, Peru. Formada em Comunicação pela Universidade do Peru, mudou-se para Madri no fim dos anos 90, onde estudou na Escola de Artes TAI. Seu primeiro longa foi “Madeinusa”, que ganhou o prêmio de Melhor Roteiro Original no Festival de Sundance 2006, entre outros prêmios que colecionou em vários festivais. Em 2009, “A Teta Assustada” foi o primeiro filme peruano a ser indicado ao Urso de Ouro do Festival de Berlim e a ganhar esse prêmio. No ano seguinte, o filme foi indicado na categoria Melhor Filme Estrangeiro do Oscar e a diretora foi convidada a fazer parte da Academia. Até o momento, Claudia tem 5 filmes lançados, sendo "Marcas do Passado", de 2014, o mais recente deles.

Este post faz parte do projeto Veja Mais Mulheres, criado pela Cláudia Oliveira. Para ver o post de apresentação que inclui minha lista de filmes e os links para as respectivas postagens, clique AQUI.  

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