Para
quem ainda não viu, estou publicando, em uma série de três postagens (confiram a parte 1 e a parte 2), filmes
dirigidos por mulher que vi na 42ª Mostra Internacional de Cinema de SP.
Neste terceiro post, produções comandadas por diretoras da África do Sul,
Brasil, Rússia, Índia, China, Líbano, Polônia, Vietnã e Taiwan :)
Metade
do Céu (Bain Bain Tain, 2018 – Sara Blecher, Daniela Thomas, Elizaveta
Stishova, Ashwiny Iyer Tiwari, Yulin Liu) [África do Sul/ Brasil/ Rússia/
Índia/ China]
Cinco histórias de mulheres que tentam ter uma voz e ser
quem realmente são. Co-produção dos 5 países do BRICS. A primeira história vem
da África do Sul e mostra uma atleta que vence uma competição e quebra
recordes, mas começa a ser perseguida por ter um nível de testosterona acima do
permitido para mulheres pelo comitê organizador. A questão que revela a
hipocrisia é: o corpo dela produz naturalmente aquele nível e a sugestão da
comissão esportiva é que ela injete drogas para diminuir tal hormônio. Na
segunda trama, representante do Brasil, uma mulher que mora em SP é contatada
pela família, com quem não fala há muito tempo por não ser aceita pelos parentes, para que vá
a Minas Gerais a pedido da mãe moribunda – o que acompanhamos são os dilemas
dessa mulher ao enfrentar um assunto doloroso que reabre suas feridas. O filme
da Rússia é sobre uma mulher de meia-idade que se apaixona por um presidiário
com quem conversa on-line e que promete se casar com ela quando sair da cadeia
– o que de fato pretende fazer, mas ao chegar à aldeia onde mora a amada o
casal tem que lidar com vários preconceitos. Da Índia vem a história de uma
mulher que se anula para cumprir todas as funções que empurram para ela: dar conta das tarefas domésticas, cuidar dos filhos e dos sogros idosos, paparicar o
marido, trabalhar em sua lojinha. Claro que nada que ela faz é apreciado ou
reconhecido. Um dia, ela comunica a todos que vai tirar um mês de férias. Nem
preciso dizer que a rotina familiar vira um caos e finalmente os parentes notam
a falta que a mulher faz. Por fim, na trama chinesa, temos uma viúva que começa
a se relacionar com um cozinheiro. Essa nova relação traz cor à sua vida, mas a
filha da viúva acha que o homem escolhido pela mãe não está à sua altura e faz
com que o casal termine. A viúva fica desolada e, um dia, a filha a escuta
conversando com o ex-pretendente e finalmente percebe como foi egoísta e
preconceituosa com a mãe, se dando conta até do quanto ela mesma era infeliz ao
tentar atender as expectativas alheias. Gostei mais de algumas histórias do que
de outras, mas foi uma boa escolha.
Nota:
3,5/5
Sara
Blecher é uma diretora sul-africana que estudou cinema de Nova York e
dirigiu os longas ‘Otelo em chamas’ e ‘Ayanda’. Daniela
Thomas é uma dramaturga, roteirista e diretora que, com Walter Salles, codirigiu filmes como ‘Terra estrangeira’ e ‘Linha de passe’, e, com Felipe Hirsch, ‘Insolação’, estreando na direção solo com ‘Vazante’.
Elizaveta Stishova é uma diretora russa com vários curtas e
um longa (‘Suleiman Mountain’) na bagagem. Ashwiny Iyer Tiwari
é uma diretora indiana que começou na publicidade e tem quatro longas no
currículo (o mais recente, 'Panga', a ser lançado em 2019). Yulin Liu é uma
diretora chinesa que estudou cinema em Nova York e já dirigiu curtas e o longa ‘Someone
to talk to’.
Caos
(Cafarnaum, 2018 – Nadine Labaki) [Líbano]
Contado em retrospectiva, o filme começa com o
franzino Zain, garoto de 12 anos, algemado no tribunal, já condenado por ter
esfaqueado um homem. Mas agora ele está diante do juiz por outro motivo: que
processar seus pais por terem lhe colocado no mundo. Quando conhecemos a vida
de Zain, um menino passava fome, trabalhava o dia todo para sustentar a
numerosa família e ainda era agredido constantemente pelos pais, é impossível
não ter empatia por ele e torcer para que ele tenha seu pedido atendido pelo juiz.
História tristíssima de infâncias roubadas, de religião usada como desculpa
para abusos, de preconceito contra estrangeiros, de medidas desesperadas. Foi o
escolhido do público como melhor filme nesta edição da Mostra.
Nota:
5/5
Nadine
Labaki é uma diretora libanesa com uma vasta carreira de atriz e com
quatro trabalhos na direção. O primeiro deles, ‘Caramelo’, foi exibido
na 31a Mostra de SP e eu já falei de 'E agora, onde vamos?' aqui. Já postei também 'Rock the casbah', em que ela faz uma das
protagonistas.
O
Rosto (Twarz, 2018 – Malgorzata Szumowska) [Polônia]
Rapaz metaleiro mora numa cidadezinha da Polônia e é
sempre zoado por ser "o diferente". Um dia, ele sofre um acidente e
passa por um transplante de rosto. E então o lugarejo, que preza pela tradição
e os bons costumes, mostra sua hipocrisia. Ao mesmo tempo em que ele vira uma
celebridade explorada pela mídia, perde o emprego e, por questões burocráticas,
não pode receber aposentadoria por invalidez; a comunidade se gaba de sua
benevolência ao ajudar o rapaz com as contribuições na igreja, mas com o passar
do tempo se cansa do moço que demora a se recuperar; a própria mãe o rejeita e
chama um padre para exorcizar o filho. Achei bacana. E com Metallica na trilha.
Nota:
3,5/5
Malgorzata
Szumowska é uma produtora, roteirista e diretora polonesa com alguns
filmes no currículo, entre eles ‘O corpo’ (2015) – vencedor do Urso de
Ouro de melhor diretor no 65º Festival de Cinema de Berlim, e ‘Em nome
do...’ (2013) – vencedor do Teddy Award de melhor filme no
63º Festival de Cinema de Berlim (prêmio para filmes com temática LGBT).
A
Terceira Esposa (Nguoi Vo Ba, 2018 – Ash Mayfair) [Vietnã]
Com poucas falas, mas com imagens belíssimas e que
contam perfeitamente a história, acompanhamos a realidade das mulheres na
sociedade vietnamita do fim do Século 19 pelos olhos de May, uma garota de 14
anos que se torna a terceira esposa de um rico proprietário de terras. Entre os
assuntos abordados estão os papéis sociais de homens e mulheres, as diferenças
de classe e a inibição sexual feminina. Gostei muitíssimo.
Nota:
4/5
Ash
Mayfair é uma montadora, roteirista, produtora e diretora vietnamita
formada pela Tisch School of the Arts, de Nova York. Ela tem 8 curtas no
currículo e‘A terceira esposa’ é seu primeiro longa-metragem.
Na
Estrada da Felicidade (Hsing fu lu chang, 2018 – Hsin-Yin Sung) [Taiwan]
Animação que mostra os dilemas de uma mulher taiwanesa
que sempre achou que sua felicidade estava nos Estados Unidos. Depois de anos
morando na terra do Tio Sam, ela volta para seu o país natal para o funeral da
avó e relembra momentos marcantes de sua infância e adolescência, bem como
importantes fatos históricos. Ao confrontar seus sonhos e expectativas infantis
com a realidade da vida ela se pergunta onde foi parar a felicidade e como
poderia alcançá-la. Uma gracinha de filme. Aliás, a produção é uma das
pré-selecionadas para a categoria Animação do Oscar 2019. Estou torcendo muito
para que entre na seleção final.
Nota:
4/5
Hsin-Yin
Sung é uma montadora, roteirista, produtora e diretora taiwanesa que já
dirigiu quatro curtas, um deles servindo de inspiração para 'Na estrada da
felicidade', seu primeiro longa-metragem.
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