segunda-feira, 15 de abril de 2013

Resenha: Travessia de Verão


“Travessia de Verão” conta a história de Grady McNeil, jovem da aristocracia nova-iorquina que, para poder curtir seu romance adolescente com Clyde Manzer, um judeu pobre que trabalha em um estacionamento decadente no Brooklyn, decide passar as férias de verão sozinha na oponente cobertura da família na 5a Avenida, enquanto os pais viajam pela Europa. Aquele verão, no entanto, mudaria para sempre sua vida e a de todos que a cercavam.


“Grady desejou que a deixassem em paz; ainda a mesma lengalenga, e aquela já era a manhã de partida do navio: o que mais havia a dizer além do que ela já dissera? Além disso havia apenas a verdade, e a verdade ela não pretendia contar inteiramente”.

Este é um livro sobre amores juvenis e diferenças de classes. Desde o início, dá para perceber que a relação estava fadada ao fracasso. Os próprios personagens sabiam disso, mas, com a inocência e as ilusões típicas dos jovens e dos apaixonados, acharam melhor deixar rolar para ver onde ia dar.

Grady era uma garota bonita, que chamava a atenção (embora fizesse de tudo para passar despercebida). Tinha 17 anos e o mundo aos seus pés. Embora não fosse filha única (tinha uma irmã mais velha, já casada), era mimada e volátil. Não gostava da mãe e procurava ficar o mais distante de casa possível. Um dos seus passatempos preferidos era ir até a Broadway para assistir a filmes e shows, ou simplesmente para sentar, anônima, e observar a multidão nas ruas.

Clyde era um pouco mais velho (23 anos) e vivia em um mundo completamente diferente daquele habitado por Grady. Havia sido uma promessa do baseball quando ainda estudava, mas o sonho nunca virou realidade. Então, quando explodiu a Segunda Guerra, ele se alistou e foi defender a pátria. Na volta, não encontrou muitas oportunidades e, sendo membro de uma família numerosa, tratou logo de trabalhar em qualquer emprego que pagasse o suficiente para ajudar a mãe a botar comida na mesa.

Como quase sempre acontece, foi o acaso que fez com que o caminho dos dois se cruzasse. Ela achou excêntrico e empolgante viver um romance com alguém sobre quem não sabia quase nada; ele achou divertido sair com uma garota bonita e rica que provavelmente nunca teria lhe olhado na cara se fosse outra ocasião. No entanto, as coisas foram ficando sérias demais e, quando perceberam, já não havia mais nada que pudesse ser feito.

O começo do livro mostra mais o lado de Grady da história. Aquele clássico caso de riquinha que precisa achar um jeito para preencher seus dias de tédio. Até as picuinhas com a mãe me pareceram bobas e fúteis demais. A futilidade, aliás, é a marca dos McNeil. A mãe de Grady centrava sua existência nas filhas, mas não do jeito “normal” de dedicação materna. Seu sucesso na vida era avaliado pelo êxito social das filhas. Seu objetivo maior era fazer um baile de debutante arrasador para Grady, já que não havia conseguido fazer isso para a filha mais velha por conta da Primeira Guerra Mundial.

Por outro lado, a família Clyde estava sempre reunida (em parte porque tinham vínculos mais fortes, em parte porque eram pobres e espaço particular era algo inexistente). A descrição da primeira visita de Grady à casa dos Manzers mostra bem essa diferença:

“Pois de fato os Manzers eram uma família: o cheiro usado e os objetos surrados de sua casa recendiam a uma vida em comum e a uma unidade que nenhuma perturbação seria capaz de abalar. Aquilo lhes pertencia, aquela vida, aqueles cômodos; e eles pertenciam uns aos outros, e Clyde era mais deles do que percebia. Para Grady, que, nesse sentido, tinha pouca noção de família, aquela era uma atmosfera estranha, calorosa, quase exótica”.

Na verdade, eu fiquei com um pouco de raiva do Clyde no começo do livro. Tudo bem que Grady era uma garota frívola que não parava de falar, mas ele a tratava feito lixo. E ela aceitava, pois considerava isso um sinal de intimidade. No entanto, lá para a metade do livro, fiquei sabendo um pouco mais sobre o passado e Clyde, sua família e, principalmente, sobre sua irmã doente. E então passei a ver as coisas pelos olhos dele e a entender suas atitudes. No fundo, ele usava a frieza e o distanciamento como um escudo, para se proteger contra o abandono que ele sabia que viria.

Enfim... este foi o primeiro livro que li do Capote e achei incrível. A história é curta, mas as descrições são riquíssimas, e a mistura de sentimentos ao longo da leitura é grande. O final, abrupto e aberto, nos permite dar asas à imaginação, mas ao mesmo tempo me incomodou, pois fiquei na dúvida se esse era mesmo o final pretendido pelo autor ou se ele simplesmente não chegou a terminar. Falo isso porque, embora a obra tenha sido a última a ser publicada, em 2006, anos depois da morte de Capote, foi a primeira a ser escrita, e ficou abandonada durante anos, rabiscada em cadernos que só foram descobertos em 2004. O manuscrito de “Travessia de Verão” e diversos objetos e pertences de Truman, que haviam sido descartados no lixo e recolhidos por um senhor, acabaram em um leilão após a morte desse zeloso e inesperado guardião.

Recomendo!

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Este post faz parte do Desafio Literário 2013 - Mês de Abril: Uma ou Mais das Estações do Ano no Título. Para ver a lista de obras selecionadas e outros posts do DL2013, clique AQUI. 


9 comentários:

Michelle Borges disse...

Gosto muito de Truman Capote, apesar de ter lido apenas "A Sangue Frio", leitura que eu recomendo muito, aliás. Acredito que tenha sido a obra-prima do autor e, depois dela, Capote nunca mais conseguiu escrever nada. É realmente incrível o que ele fez ao escrever esse livro.

Fiquei curiosa para ler "Travessia de Verão" porque é o primeiro livro do autor e deve ser interessante observar como era a sua escrita :)

Obrigada pela sugestão!

Beijos,

Michas
http://michasborges.blogspot.com

Maura C. disse...

Oi, Michelle, tenho bastante vontade de ler algo do Capote, ano passado cheguei a cogitar a compra de A Sangue Frio, mas disseram que eu não estava preparada para começar com aquele livro... :|
Me recuperei do fato de me julgarem incapaz de ler algo do Capote, mas ainda não li nada do moço, talvez comece por Travessia de Verão ou me jogue direto em Bonequinha de Luxo que tenho em e-book, enfim, se chegar a ler algum dia Travessia de Verão te digo o que achei ;)

Beigos!

Anônimo disse...

Mi, li as primeiras linhas da sua resenha e já fiquei com vontade de ler esse livro! Na verdade, também nunca li nada do Capote e estou ensaiando pegar algo dele.
Em nenhum momento (depois de passada a raiva por Clyde) você torceu para que o romance dos dois desse certo?
Adorei a indicação!

Michelle disse...

Michas,
"A Sangue Frio" é sim a obra-prima do Capote e estou a fim de ler faz tempo. É legal mesmo pegar uma obra do comecinho da carreira e comparar com outras para ver a evolução.

Maura,
Como assim disseram que você não está preparada? Não liga para esse tipo de comentário. Só você pode saber se está preparada ou não. E mesmo se não estiver, a experiência é sempre válida, né? Se tiver a chance de ler qualquer um deles, conte tudo depois ;)

Gi,
A escrita do Capote é incrível. Ele faz umas descrições que ficam na cabeça. Mas eu não torci pelo casal em nenhum momento. Não porque não gostasse deles ou não acreditasse no amor dos dois, mas porque meu nível de romantismo é zero. Fiquei curiosa para saber como cada um deles via a relação e até onde eles estavam dispostos a ir, e essa foi minha motivação.

0 disse...

Ainda não li nada do Truman Capote, mas tenho uma curiosidade enorme sobre as obras desse autor. Pretendo começar com Bonequinha de Luxo e, claro, A Sangue Frio.

Não tinha nenhum conhecimento a respeito de Travessia de Verão, mas sua resenha atiçou minha curiosidade e também entrou para a minha lista. Enfim, gostei bastante.

Beijo

Gustavo disse...

Bela resenha, Michelle!
Não conhecia este livro, nem o estilo do autor. Sua resenha faz a gente ter vontade de ler o livro rsrs.
Um abraço!

Michelle disse...

Taci,
Eu também quero ler esses que você citou, mas aproveitei para conhecer o autor e usar no livro no DL2013...rs

Gustavo,
Eu achei o estilo incrível. Recomendo, viu?

Lari Bohnenberger disse...

Nossa, tenho lido muitas resenhas sobre esse livro que estão me deixando com água na boca. Nunca li nada do Capote, morro de vontade...

Bjs, Larissa.
http://oelementofogo.blogspot.com.br/

Unknown disse...

Mi,
Nossa, esse livro me lembrou três metros acima do céu, do Federico Moccia, que por sinal, eu adorei.Acho que talvez não seja um livro que agrade a todos pois seu final "aberto" não parece ser happy end.
Gosto desse tipo de livro, mais um para a lista vou ler.
òtima resenha como sempre.

bjs,
Luana