Luce é uma mulher desiludida com as
pessoas que resolve se afastar e buscar abrigo na natureza. Trabalhando como
caseira de um chalé nas montanhas Apalaches,
ela leva uma vida simples e contemplativa. No entanto, sua rotina pacata é
quebrada quando ela é nomeada pelo Estado guardiã legal dos sobrinhos gêmeos, Dolores e Frank, crianças traumatizadas
que presenciaram o assassinato da mãe pelo padrasto, que, depois de ser
inocentado pela justiça, sai da cadeia louco para eliminar as pequenas
testemunhas e botar a mão na grana que a esposa havia escondido dele em algum
lugar.
Uma
capa bonita, uma sinopse interessante, uma única resenha no Skoob e uma
promoção de e-books na Amazon. Essa combinação foi suficiente para me fazer
comprar esse livro. Depois, fazendo uma rápida pesquisa na internet, descobri
que o autor, Charles Frazier, também escreveu ‘Cold Mountain’, vencedor do U.S.
National Book Award 1997 e levado às telas em 2003 por Anthony
Minghella, ganhando também 1 Oscar
e 2 BAFTA. Nada mau. Minhas
expectativas começaram a aumentar.
De
fato, a ambientação de ‘Floresta
Noturna’ é a mesma de ‘Cold Mountain’, as montanhas geladas que já foram o
lar do povo Cherokee. Com descrições
detalhadas das paisagens, dos animais e do clima, o autor retrata o espírito
dos personagens, sempre reclusos, sofridos, com um passado de desgraças e sem
nenhuma perspectiva de futuro.
A
família toda de Luce é um exemplo desse tipo de vida: a mãe havia engravidado
jovem e não dava a mínima para Luce e sua irmã mais nova, Lily, saindo de casa quando as duas ainda eram crianças; o pai,
violento e viciado em substâncias ilícitas, tampouco se importava com as filhas
e, quando Luce, já adulta, o procura na delegacia na condição de cidadã para
fazer uma denúncia de estupro, ele simplesmente a convence a deixar pra lá. O
histórico de Lily não é dos mais felizes também: atraída por caras
aproveitadores e violentos, o que culmina em seu fim trágico.
As
crianças são o grande trunfo da história. Perturbadas demais com tudo o que já haviam
visto e experimentado em suas breves vidas, são consideradas retardadas por
todos que já haviam ficado encarregados de cuidar delas. Jamais pronunciavam
uma palavra, pareciam sempre alheias ao que se passava ao seu redor, não faziam
contato visual, gostavam de lutar uma com a outra, de quebrar coisas e,
especialmente, nutriam uma atração pelo fogo, que sabiam produzir de várias
formas.
Lógico
que Luce se desespera com a situação. Cuidar de crianças nunca é fácil,
principalmente duas tão danificadas quanto aquelas, e ainda mais por alguém que
jamais havia se imaginado como mãe e que prezava mais que tudo sua liberdade.
Ter que ficar atenta 24 horas por dia a tudo o que os pequenos faziam foi um
fardo e tanto para Luce. E, embora ela tenha decretado de cara que sabia que
não amaria aquelas crianças e que mesmo assim deveria zelar por elas, não é bem
isso que vemos acontecer no desenrolar da trama.
Aos
poucos, é possível perceber como os gêmeos eram inteligentes e como possuíam a
habilidade de se comunicar um com o outro sem palavras e sem nem ao menos um
olhar – aquela ligação natural que veio desde os tempos no útero da mãe. Achei
incrivelmente bonito e triste como fizeram um pacto tácito de nunca mais
depender de um adulto. Não à toa, o único ser vivo em quem confiam cegamente é
na égua de pônei chamada Sally.
Enfim...
muita coisa ruim ainda acontece na história, mas não convém falar delas. A
beleza do livro está em seguir o ritmo da natureza, respeitando as estações,
reverenciando a imponência da floresta, observando suas regras para obter sua
benevolência ou sofrendo as consequências da desobediência. Seguindo o ciclo da
vida, os personagens e a relação entre eles vão se transformando conforme a
paisagem se altera. Lindo demais.
“Luce
não tinha a expectativa de amar as crianças, e decerto não esperava que viessem
a amá-la algum dia. Isso seria pedir demais, de parte a parte. Mas havia algo
que definitivamente sentia em relação a elas, e tinha a ver com o fato de terem
sobrevivido. Feridas e prejudicadas, sem dúvida. Mas haviam passado por uma
violência devastadora em suas vidas. E, mesmo assim, não tinham se tornado
crianças frescas e chorosas. Podiam ser pequenos selvagens ferozes quando
queriam. Na maior parte do tempo, estavam pouco se lixando para o mundo
particular dos outros e sabiam aguentar a dor, fosse a própria, fosse a alheia,
tão estoicamente quanto um apache. E quando viam uma oportunidade, vingavam-se
da realidade que ocupavam. Riscar um fósforo e marcar um tento para empatar as
coisas. Certos dias pareciam quase tão trágicos e acabados quanto um
envelhecido Geronimo fotografado em seus últimos anos, o rosto impassível mas
ainda assim alerta nos pequenos olhos negros e astutos. Fosse qual fosse o
sentimento que Luce começava a nutrir por Dolores e Frank, ainda não pensara em
um nome para ele. Mas era da mesma família do respeito”.
Embora
a trama avance devagar, é impossível não ler avidamente, querendo saber mais sobre aqueles personagens e descobrir logo o que vai acontecer. Uma ótima
leitura feita por acaso. Livro mais do que recomendado!
2 comentários:
Nunca tinha ouvido falar desse livro, mas entrou pra minha lista de leituras!!
Peguei por acaso e foi um dos favoritos do ano!
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