Danny é um sujeito totalmente
dependente de telefone celular e que acredita que se manter constantemente em
destaque é crucial para a existência humana. No entanto, o convite do primo Howard para uma temporada em seu
castelo europeu recém-adquirido parece a Danny uma boa oportunidade de sumir
por uns tempos de Nova York, onde está sendo procurado por um pessoal perigoso.
Mesmo apreensivo pelo reencontro com o primo, com quem fez uma brincadeira de
mau gosto que por pouco não acabou em tragédia na infância, Danny toma um avião e vai. Ao chegar à propriedade medieval, Danny se depara com um lugar
muito estranho, que parece afetar a forma como ele e todos os outros hóspedes
veem as coisas.
Jennifer Egan foi muito feliz ao criar
uma história que prende do começou ao fim e que tem como grande trunfo a
frustração de expectativas. Sim, você leu certo: frustração de expectativas. O
que geralmente seria uma característica ruim, aqui se torna a maior qualidade
do livro.
A
aura de mistério envolve toda a trama: não sabemos ao certo o que Danny faz da
vida (só que é algo ilegal); o incidente de infância que quase matou o primo
paira o tempo todo sobre os ombros de Danny, que remói a culpa e espera continuamente
por uma vingança de Howard; o castelo em si é uma incógnita - está sendo
reformado para se transformar em hotel, mas existe um torreão intocável, no
qual vive uma baronesa que parece
ser tão velha quanto a propriedade; uma piscina de águas pútridas ocupa uma
parte da área externa do castelo e parece sugar tudo o que passa ao seu redor,
como um buraco negro.
O
clima sobrenatural se mistura à imaginação de Danny e muitas vezes não é
possível definir se o que está sendo narrado aconteceu de fato, se saiu da
mente perturbada do personagem ou se faz parte do delírio coletivo que parece
afetar a todos no local. Como se não bastasse, quando você acha que está
finalmente entendendo o que acontece, surge um novo personagem principal, um prisioneiro que participa de uma
oficina de escrita criativa e dá a entender que tudo o que lemos até então não
passa, na verdade, de exercício de redação.
Com
mais uma expectativa destruída, começamos a juntar os pedaços para montar uma
nova teoria, buscando os pontos em comum entre a narrativa do prisioneiro e a
trama de Danny. A terceira e última parte nos apresenta um novo personagem: Holly, a professora de escrita
criativa, que chega para costurar as duas partes anteriores e nos faz repensar
o que achávamos ter entendido. Com uma voz muito distinta e um estilo seco e
direto, somos arrancados por Holly do mundo enevoado no qual viviam os outros
personagens e jogados de cara no asfalto, acordando para a realidade. O
chacoalhão final nos desperta e indica que o livro acabou.
“O Torreão” é um livro incrível, muito
diferente de tudo o que já tinha lido. Mesmo depois de refletir sobre a
história e discutir o livro em grupo, no Leituras Compartilhadas dos Espanadores, ainda me restam muitas dúvidas. Por
exemplo, não consegui chegar a uma conclusão sobre se a baronesa existia mesmo
ou se era fruto da imaginação. Sinceramente? Não importa. O mais legal do livro
é justamente isso: não há uma verdade absoluta. A cada leitura, descobrimos um
indício novo, que havia passado despercebido, e reformulamos nossas hipóteses.
"As pessoas estão entediadas. Estão mortas! Vá a um shopping e dê uma olhada nas caras. Fiz isso durante anos... Ia de carro para os shoppings no fim de semana e ficava lá sentado, só observando as pessoas, tentando entender aquilo. O que está faltando? Do que elas precisam? Qual será o próximo passo? E então, um dia, entendi: imaginação. Perdemos a capacidade de inventar coisas. Passamos esse trabalho para a indústria do entretenimento, e ficamos sentados por aí babando na camisa, enquanto eles fazem isso por nós".
Inusitado.
Intrigante. Perfeito para ler e reler várias vezes. Mais que recomendado!
2 comentários:
Acho que eu nunca tinha lido uma resenha desse livro, fiquei muito curiosa agora. Parece ser bem diferente.
Uau!
Impossível não ficar instigada com essa resenha!
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