Girafas
que se rebelam e exigem melhores condições de vida no zoológico. Um
cachorro que é a única testemunha de um assassinato. Um urso empalhado que
ganha vida no museu. Um coelho de estimação que se transforma em uma espécie de
criatura do Dr. Frankenstein. Nos 11 contos que compõem o livro, os animais
estão sempre presente, mas o foco, na verdade, são as pessoas e seus
comportamentos estranhos e muitas vezes bizarros. Como logo fica evidente, os
verdadeiros animais são aqueles que se julgam a espécie superior e mais
avançada.
Além
dos animais considerados irracionais, o que todas as histórias têm em comum são
personagens humanos tristes, solitários e incompreendidos que vivem de acordo
com suas próprias regras e desenvolvem hábitos inusitados. Muitos deles
encontram nos animais um amigo; outros, uma válvula de escape para suas
frustrações. Mais do que coadjuvantes, os animais são o contraponto das ações
humanas e demonstram sempre inteligência, compaixão e outros atributos
essencialmente humanos, mas há muito esquecidos pelos seres com polegar
opositor.
As
condições de vida das pessoas são sempre ruins e até mesmo degradantes: maridos
violentos, pais negligentes ou abusivos, crianças que demonstram certo grau de
psicopatia. Apenas pequenos atos de bondade e empatia isolados são vistos nas
tramas que transbordam desilusão. O desfecho não é nada feliz para os
perturbados personagens de "Verdadeiros Animais".
Mas
então, por que o livro é legal?
Porque
a autora consegue despertar no leitor inúmeras sensações conflitantes, que vão
da pena à raiva, da esperança à descrença, da indignação à compreensão. Em
cenários desoladores, torcemos por aqueles que sofrem em silêncio e esperamos
que consigam se libertar de suas sinas negras. Em geral, nossa torcida não vale
muito, mas é impossível ficar indiferente diante das situações apresentadas. Fui lendo aos poucos, um ou dois contos por dia, e, toda vez que eu fechava o
livro, ainda ficava uns bons minutos pensando no que tinha lido. São histórias
incômodas, o que, para mim, quer dizer muito. Significa que mexeram realmente
com questões importantes. Um feito e tanto para narrativas tão curtas.
“Frequentemente
o encarregado comparava a administração do zoológico com o casamento com sua
esposa, Matilda. Ela era uma mulher grandalhona e irritadiça que conhecera em
uma viagem pela Romênia. Em geral ele tinha medo dela. Mas também era fascinado
por seu mau humor e a espessura do ponto onde suas pernas encontravam o começo
do traseiro. Bem no início do casamento, ele descobriu que o tom de autoridade
acalmava Matilda. Depois de ladrar uma resposta abrupta, ele podia ver os
ombros dela caírem e recuarem. Ele prosseguiria com gentileza (coisas doces em
que ele gostaria de sufocá-la) e descobriu que ela só aceitava seu amor nesses
momentos. Ele tentou imaginar o que faria se Matilda lhe desse uma lista de
exigências. Ele a rasgaria na cara dela. Tentaria fazê-la ver que estava
irritado. Gritaria obscenidades, agitaria o punho, depois secretamente se
certificaria de que tudo que ela desejasse fosse realizado”.
(Retirado do conto 'Condições Razoáveis')
Contos
que subvertem os comportamentos humanos e animais. Duros, porém ótimos.
Recomendo muito!
Um comentário:
Nunca tinha ouvido falar desse livro. Fiquei bastante interessada! Valeu pela indicação, Michelle! Beijos!
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