segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Resenha: Verdadeiros Animais


Girafas que se rebelam e exigem melhores condições de vida no zoológico. Um cachorro que é a única testemunha de um assassinato. Um urso empalhado que ganha vida no museu. Um coelho de estimação que se transforma em uma espécie de criatura do Dr. Frankenstein. Nos 11 contos que compõem o livro, os animais estão sempre presente, mas o foco, na verdade, são as pessoas e seus comportamentos estranhos e muitas vezes bizarros. Como logo fica evidente, os verdadeiros animais são aqueles que se julgam a espécie superior e mais avançada.

Além dos animais considerados irracionais, o que todas as histórias têm em comum são personagens humanos tristes, solitários e incompreendidos que vivem de acordo com suas próprias regras e desenvolvem hábitos inusitados. Muitos deles encontram nos animais um amigo; outros, uma válvula de escape para suas frustrações. Mais do que coadjuvantes, os animais são o contraponto das ações humanas e demonstram sempre inteligência, compaixão e outros atributos essencialmente humanos, mas há muito esquecidos pelos seres com polegar opositor.

As condições de vida das pessoas são sempre ruins e até mesmo degradantes: maridos violentos, pais negligentes ou abusivos, crianças que demonstram certo grau de psicopatia. Apenas pequenos atos de bondade e empatia isolados são vistos nas tramas que transbordam desilusão. O desfecho não é nada feliz para os perturbados personagens de "Verdadeiros Animais".

Mas então, por que o livro é legal?
Porque a autora consegue despertar no leitor inúmeras sensações conflitantes, que vão da pena à raiva, da esperança à descrença, da indignação à compreensão. Em cenários desoladores, torcemos por aqueles que sofrem em silêncio e esperamos que consigam se libertar de suas sinas negras. Em geral, nossa torcida não vale muito, mas é impossível ficar indiferente diante das situações apresentadas. Fui lendo aos poucos, um ou dois contos por dia, e, toda vez que eu fechava o livro, ainda ficava uns bons minutos pensando no que tinha lido. São histórias incômodas, o que, para mim, quer dizer muito. Significa que mexeram realmente com questões importantes. Um feito e tanto para narrativas tão curtas.

“Frequentemente o encarregado comparava a administração do zoológico com o casamento com sua esposa, Matilda. Ela era uma mulher grandalhona e irritadiça que conhecera em uma viagem pela Romênia. Em geral ele tinha medo dela. Mas também era fascinado por seu mau humor e a espessura do ponto onde suas pernas encontravam o começo do traseiro. Bem no início do casamento, ele descobriu que o tom de autoridade acalmava Matilda. Depois de ladrar uma resposta abrupta, ele podia ver os ombros dela caírem e recuarem. Ele prosseguiria com gentileza (coisas doces em que ele gostaria de sufocá-la) e descobriu que ela só aceitava seu amor nesses momentos. Ele tentou imaginar o que faria se Matilda lhe desse uma lista de exigências. Ele a rasgaria na cara dela. Tentaria fazê-la ver que estava irritado. Gritaria obscenidades, agitaria o punho, depois secretamente se certificaria de que tudo que ela desejasse fosse realizado”.
(Retirado do conto 'Condições Razoáveis')

Contos que subvertem os comportamentos humanos e animais. Duros, porém ótimos. Recomendo muito!

Um comentário:

Anônimo disse...

Nunca tinha ouvido falar desse livro. Fiquei bastante interessada! Valeu pela indicação, Michelle! Beijos!