segunda-feira, 4 de junho de 2012

Leia o Livro, Veja o Filme: O Selvagem da Motocicleta


O LIVRO: O Selvagem da Motocicleta (Rumble Fish), Susan E. Hinton [Estados Unidos] [#Escritoras]

A história começa com um encontro entre Rusty-James e seu ex-melhor amigo Steve Mays. Sem se ver há 5-6 anos, a conversa entre os dois é estranha, cheia de reticências. Rusty se sente incomodado com a forma como a relação entre eles acabou e intimidado ao saber que Steve, que sempre fora um garoto inteligente e nerd, faz planos para ser professor. Rusty não foi um bom aluno e tinha problemas de compreensão e dificuldade para se expressar. Agora, com o fim do que restava das brigas de gangues, ele vaga pela cidade, sem nenhuma perspectiva de futuro. Tudo o que ele possui são lembranças de uma época gloriosa que ele mal viveu e que encontrava sua máxima representação na figura de seu irmão mais velho e ídolo: o Motoqueiro.

É pela narração de Rusty-James que mergulhamos na realidade dos garotos pobres sem sonhos e sem lazer de uma cidadezinha decadente. Eles passavam os dias entre a escola, o bilhar no Bar do Benny e brigas de turmas. No máximo, se divertiam com bebida, drogas e vandalismo. Rusty, especificamente, vinha de um lar desfeito, tinha um pai bêbado que vivia de pensão do governo e um irmão que era um ícone local: Havia sido líder de gangue, depois pôs fim às disputas entre os grupos, era culto e enigmático, e ainda fazia sucesso com as garotas. No entanto, embora fosse uma “celebridade”, o Motoqueiro era um cara incompreendido e extremamente solitário, que não tinha amigos, apenas admiradores e inimigos.

“Por algum motivo, o Motoqueiro era um cara sozinho, mais sozinho do que eu nunca seria na vida, mais do que eu podia imaginar. Ele vivia numa bolha de vidro e olhava o mundo de lá de dentro".
(página 110)

Rusty estava sempre se comparando ao irmão, querendo que as pessoas dissessem que eram parecidos, mas nunca conseguia a resposta que queria ouvir. Ele se esforça ao máximo para ser como o Motoqueiro, mas quando finalmente vislumbra como é estar na pele do outro, não fica nada feliz com o que vê.

E então, o que dizer do livro? Gostei muito. A forma como a história é contada, com diálogos rápidos e frases curtas, faz a leitura fluir e dá a impressão de que estamos lá, presenciando as conversas. A linguagem simples, com gírias da época (o livro foi escrito em 1975), nos ajuda a reviver a época representada. Outro achado sensacional é o título original do livro, “Rumble Fish”, ou seja, peixe de briga siamês, o popular peixe betta, aquele que não pode ver outro peixe nem sua própria imagem refletida em um espelho que já quer partir para cima.

Vale lembrar ainda que Susan Hinton foi a primeira pessoa a descrever os jovens rebeldes e violentos da periferia das cidades, já que as outras histórias desse período geralmente retratavam os adolescentes de classe média com aura hollywoodiana. Ela alcançou fama ao publicar seu primeiro livro, “Vidas sem rumo” (Outsiders). As duas obras viraram filmes pelas mãos de Francis Ford Coppola.
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O FILME: O Selvagem da Motocicleta (Rumble Fish), Francis Ford Coppola [Estados Unidos]

ATENÇÃO: Pode conter spoilers!!

O filme tem um visual muito bonito, com planos de câmera inusitados (seguindo os passos dos personagens, com detalhes dos jogos de bilhar filmados junto à mesa), imagens lindas e poéticas (como a passagem de tempo representada pela mudança das sombras projetadas pelas escadas do edifício) e, claro, a maior sacada: filmado em preto e branco, o que não só aumenta a plasticidade, como também ajuda a enxergar o mundo como o Motoqueiro (ele era daltônico e vivia em um mundo sem cores). Os únicos toques de cor são os peixes.

Apesar de ter gostado da adaptação, confesso que eu fazia outra ideia do filme. A começar pelo Motoqueiro. Na minha cabeça ele era o James Dean (mesmo sabendo que ele já estava morto há muito tempo quando lançaram "O Selvagem da Motocicleta"). Não sei, achei o Mickey Rourke meio sem sex appeal. A fala macia dele, que era uma característica do Motoqueiro no livro, acabou me irritando. Talvez a culpa nem seja dele. Eu é que imaginei as coisas de um outro jeito. Na verdade, acho que confundir as pessoas era a intenção da produtora/distribuidora (ou seja lá quem cria os títulos de filmes no Brasil). Veja bem, o Motorcycle Boy era o Motoqueiro, OK. Mas não tinha nada de selvagem. Talvez, extrapolando, a gente possa dizer que ele era selvagem por causa das brigas e dos roubos. Tudo bem. Mas vejam a esperteza da produtora/distribuidora: 

Houve o filme "O Selvagem”, em que Marlon Brandon interpretou um motociclista; depois houve “Juventude Transviada”, com James Dean encarnando um motoqueiro; logo, nada melhor do que chamar um filme sobre jovens que se metem em brigas de gangues e em que há o personagem Motorcycle Boy de "O Selvagem da Motocicleta", né? E nem é um desses casos em que o livro já havia sido traduzido e então procura-se manter a mesma tradução do título do livro e do filme. Se não me engano, o livro só foi lançado no Brasil em 1988, ou seja, cinco anos depois do filme. 

Um outro quesito decepcionante do filme é a trilha sonora. Eu imaginava uma coisa mais rock n’roll, mais pesada, mais energética, mas não é nada disso. Tirando a música que toca quando Rusty, Steve e o Motoqueiro estão andando do outro lado da ponte à noite, em meio à agitação das ruas, e a trilha de fundo de quando o Motoqueiro joga sinuca, o resto é lamentável. Em geral, achei que a música não combinou com a cena diversas vezes, rolando até uma  música de circo (na cena do pai chegando bêbado), reggae e umas gaitinhas estranhas em outros trechos do filme. Eu tinha duvidado quando a Lua comentou isso na resenha dela sobre a adaptação cinematográfica do livro, mas agora dou o braço a torcer.

Apesar dos pontos negativos que citei (grande parte deles devido à expectativa criada por mim), o filme é bom, embora eu tenha gostado mais do livro. Resumindo: vale a pena conhecer ambos. 


2 comentários:

Anônimo disse...

Linda resenha, Michelle! Engraçado que gostei mais do filme nesse caso, talvez porque quando li o livro tinha acabado de ler Vidas Sem Rumo e achei este melhor. Como você eu também não curti o Rourke, acho até que o Matt Dillon poderia ter feito o papel melhor, mas talvez ele fosse muito novinho na época. Agora imagina o que uma trilha bacana teria feito a esse filme, não? Foi uma pena terem estragado algumas cenas com essas músicas nada a ver. Ainda assim acho o filme muito bonito. Beijinho! =)

Jacqueline Braga disse...

Olá Michelle
amei a resenha. Essas histórias que mostram "jovens rebeldes" me atraem (será porque curto um estilo bad boy?)
bjos