Um
casal e seus quatro filhos cruzam estradas a bordo do carro da família rumo a
uma casa alugada onde passarão as férias. De sua posição de passageira no banco
traseiro do automóvel, nossa narradora faz observações sobre a paisagem e sobre
o pequeno universo particular que habita durante a viagem. Com bom humor e
delicadeza, a autora nos fala de coisas sérias, enquanto nos transforma em
passageiros nessa história simples e estranhamente familiar.
Embora
a narrativa não especifique locais e datas, o texto da orelha informa que a
história se passa no Uruguai em tempos de ditadura, referências da infância da
autora. Mesmo que essas informações não sejam explicitadas, podem ser inferidas
pelas terríveis notícias que saem do rádio do carro e pelo temor silencioso dos
pais. As paisagens bucólicas cheias de vacas nos pastos, o mate, as milongas e
as empanadas do café da manhã localizam a ação entre a Argentina e o Uruguai.
Na verdade, a ausência de especificidade é o que torna a história tão próxima.
Poderia ter sido no Brasil. E a família poderia ser a minha ou a sua.
Sobre
a narradora sem nome, sabemos que tem por volta de 10 anos e que é irmã do
meio, aquela que é sempre invisível e que precisa gritar para ser ouvida. Em
sua condição pouco privilegiada na hierarquia familiar, tem que disputar com os
irmãos o posto mais desejado: a janelinha. No pequeno espaço que divide com os
demais, aprende quando exercer a diplomacia e quando reivindicar seus direitos,
quando ouvir e quando falar.
Segundo
a peculiar lógica infantil, a protagonista descreve a paisagem, depois se
envolve em discussões com os irmãos, invoca lembranças de uma amiga, faz planos
para quando finalmente chegarem ao destino, se entedia com a viagem, tenta
quebrar a monotonia inventando jogos. Em seus relatos, observações, memórias,
sons e cheiros se misturam e encontram eco no leitor.
“Um, dois e já” é uma road trip curta, daquelas que lembramos
com nostalgia depois de crescidos. Um daqueles casos em que o percurso é mais
valioso que o destino. É o primeiro livro publicado no Brasil da escritora e roteirista de cinema Inés Bortagaray. No formato pocket, com letras de bom tamanho e lindas páginas azuis, é ideal para levar na bolsa e ler fora de casa. Li toda a história em uma viagem de ida e volta de metrô. Aguardo a chegada por aqui de outras obras da autora.
“O
locutor da voz grave me dá dor de barriga. Fico com medo do jeito que ele fala;
fala de tarifas. Penso nos tarifas: uma tribo de aborígenes tarifas desce
correndo a encosta de um monte parecido com esses das silhuetas escuras da
estrada. Os tarifas descem correndo, batendo com a mão na boca e gritando que
nem selvagens. Meu irmão atira uma flecha no chefe dos tarifas e acerta na testa
dele. Ele cai com os olhos vazios. Eu subo num galho alto de uma árvore do vale
e vejo os tarifas avançando como formigas que avançam em multidão. São
formigas, de repente. Não me assusto. Tensiono o arco e a flecha dispara e
atravessa a garganta de uma tarifa horripilante. É a esposa do chefe. Me vanglorio.
Estamos conseguindo nos defender.”
Para quem procura uma uma leitura rápida, uma história simples contada com originalidade.
5 comentários:
Estou curiosa pra ler este, Mi
Olha só que coincidência, acabei de ler um autor uruguaio tbe, Mario Benedetti.
Bjks mil
Adorei a resenha MiG!
Ainda não tenho esse, mas com certeza quero ler, parece ser um livro muito sensível!
Beijo!
Amei a resenha! Não conhecia o livro, me interessei bastante, adoro leituras rápidas :)
Bjoos.
http://literatainofensiva.blogspot.com/
Oi, Michele!
Essa parece uma ótima indicação!
Estou aqui me coçando para descer na hora do almoço e comprá-lo!
Beijinhos!
Quase adquiri “Um, Dois e Já” com o cupom de aniversário da Cosac Naify. Agora estou arrependida Ç_Ç Esse livro parece ser muito legal! Bem, fica pra próxima!
Beijos, Michelle!
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