quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Resenha: A Mão Esquerda da Escuridão



Genly Ai é o Enviado, um terráqueo que viaja de um planeta para outro para divulgar a associação de livre colaboração interplanetária. No planeta Inverno, ele se vê em meio a duas nações opostas e se envolve em uma disputa territorial. Enquanto tenta cumprir sua missão, ele investiga e procura compreender essa intrigante sociedade em que não há divisão de sexos: todos os seres são assexuados, até que entrem no ciclo reprodutivo, podendo se tornar homens ou mulheres, retornando depois ao estado anterior e, no ciclo seguinte, têm novamente a possibilidade de se transformar em qualquer sexo.

O Enviado tem que lidar com muitas diferenças nesse novo planeta: primeiro, o frio inclemente e interminável com o qual não está habituado; depois, as regras de etiqueta social nas quais ele sempre escorrega e a mentalidade e os valores distintos entre as duas nações que ele visita; por fim, a incógnita que é conviver com seres que são ao mesmo tempo assexuados e indivíduos femininos e masculinos. Genly precisou passar por muitos apuros antes de enfim compreender que seu preconceito foi o que mais afetou o cumprimento de sua missão.

“A Mão Esquerda da Escuridão” não foi uma leitura fácil e demorei quase 100 páginas para começar a gostar da história. Os nomes bizarros e a narrativa fragmentada feita na forma de relatórios de viagem anteriores e atuais me irritaram muito no início. Eu já estava começando a duvidar da genialidade da obra quando, de repente, aconteceu: me vi tão envolvida na aventura de Genly e tão estupefata com o universo criado pela autora que não conseguia parar de ler.

Para mim, o trunfo do livro é nos fazer pensar em como tudo em nossa sociedade é definido pelo sexo das pessoas, o que limita absurdamente nossas escolhas na vida. Imaginar como seria se pudéssemos, de fato, ser qualquer coisa, é muito interessante. Transcrevo abaixo o trecho que exemplifica perfeitamente o conceito de igualdade entre os sexos:

“Considere: qualquer um pode trabalhar em qualquer coisa. Parece muito simples, mas os efeitos psicológicos são incalculáveis. O fato de toda a população, entre dezessete e trinta e cinco anos de idade, estar sujeita a ficar (como Nim definiu) “amarrada à gravidez” sugere que ninguém aqui fica completamente "amarrado" como, provavelmente, ficam as mulheres em outros lugares - psicológica ou fisicamente. Fardo e privilégio são compartilhados de modo bem igualitário; todos têm o mesmo risco a correr ou a mesma escolha a fazer. Portanto, ninguém aqui é tão completamente livre quanto um macho livre, em qualquer outro lugar.
Considere: uma criança ao tem nenhum relacionamento psicossexual com sua mãe ou pai. O mito de Édipo é inexistente em Inverno.
Considere: não existe sexo sem consentimento, não existe estupro. Como ocorre com todos os mamíferos, exceto o homem, o coito só pode ser realizado por convite e consentimento mútuo; do contrário, não é possível. A sedução certamente é possível, mas deve ser tremendamente oportuna.
Considere: não existe nenhuma divisão da humanidade em metades forte e fraca, protetora/protegida, dominante/submissa, dona/escrava, ativa/passiva. Na verdade, pode-se verificar que toda a tendência ao dualismo que permeia o pensamento humano é muito reduzida, ou alterada, aqui em Inverno.”

Além disso, a autora ainda nos faz refletir sobre progresso e as incertezas do futuro, fala de amizade, de aparências, do nosso lugar no mundo. Provavelmente devo ter deixado passar muita coisa ainda. Foi uma viagem e tanto. Ao final, constatei que o livro merece todos os elogios que lhe são feitos. Em determinado momento, me peguei pensando no filme “Inimigo Meu”, de 1985. Vocês já assistiram? Sei lá, acho que tem a ver. Deu vontade de assistir novamente.

Livro interessantíssimo, para ser degustado aos poucos, absorvendo lentamente as ideias. Recomendo ler com a devida atenção.


Este post faz parte do Desafio Literário Skoob 2015 - Mês de Janeiro: Novinho em Folha (o último livro que você comprou/ganhou/baixou/pegou emprestado). Para ver a apresentação do desafio, minha lista de obras selecionadas e outros posts do DLSkoob2015, clique AQUI.

Um comentário:

Lígia disse...

Quero ler esse livro faz um tempão, mas sempre adio a leitura sem motivo. Gostei muito do trecho que você selecionou. :)