segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Resenha: Adultérios


O livro traz três peças divertidas com um tema em comum: a infidelidade. Na primeira, um homem marca encontro com a amante para terminar o relacionamento e, enquanto aguarda a chegada dela, conhece um andarilho esquizofrênico que o acusa de ter plagiado um trabalho seu; a segunda história envolve um casal de desconhecidos que chega de bicão em uma reunião familiar e revela a traição de membros da festa; por fim, uma psicanalista descobre que o marido a traía com uma de suas pacientes e arma uma sessão de acareação dos envolvidos.

Já fazia um bom tempo que eu não lia nada do Allen. Daí outro dia eu precisava de algum livro pocket para ler no metrô e me lembrei de “Adultérios”. Foi um reencontro lindo, que reafirmou meu amor pelo baixinho neurótico.

A primeira peça, “Riverside Drive”, eu já conhecia, pois assisti à encenação alguns anos atrás (falei dela AQUI). Não sei se o contato prévio com o texto teve alguma influência, mas o fato é que é minha história preferida entre as três. A cada fala dos personagens eu relembrava os diálogos no palco e, mesmo sabendo o desfecho, me diverti muito com as loucuras Fred, o sem-teto que chega puxando papo com Jim, que espera a amante, o acusa de ter roubado sua ideia de roteiro de um blockbuster de sucesso e acaba se transformando em conselheiro sentimental do outro. De um jeito intrometido, engraçado e enrolado, Fred se infiltra tanto na vida de Jim que, mesmo contrariado, o outro se vê dependente do maluco.

Em “Old Saybrook”, o casal Sheila e Norman é anfitrião de um jantar que conta também com a presença de Jenny, irmã de Sheila, e seu marido, David. Enquanto Sheila, Norman e Jenny preparam bebidas e cuidam da churrasqueira, David se tranca no quarto para a um evento de esporte na TV. Seus únicos interesses são picles e esporte e nada abala sua dedicação a eles, nem os segredos escabrosos envolvendo sua esposa expostos por um casal de desconhecidos que pede para dar uma olhadinha na casa a fim de relembrar os bons momentos que viveram ali. O desfecho foi inesperado e interessante, mas, como sempre, o grande destaque são as situações improváveis e ao mesmo tempo totalmente verossímeis criadas por Allen.

Na terceira e última peça, “Central Park West”, a psicanalista Phyllis descobre a traição do marido com uma de suas jovens pacientes e amiga, Carol, e decide lavar a roupa suja em uma sessão de acareação dos infiéis. A ironia aqui é Phyllis ter se empenhado em ajudar Carol a levantar a autoestima para conquistar o amado que, na verdade, era seu próprio marido. E o final também surpreende, com a chegada de mais um casal, que altera toda a dinâmica da sessão de acusações e afeta o destino dos personagens de um modo divertido.

Em todas as histórias, o texto irreverente de Allen é o que torna situações que poderiam ser retratadas como tragédias cheias de rancor e juras de vingança em momentos engraçados, quase surreais. Personagens em busca do amor, pessoas cheias de falhas e inseguranças, diálogos rápidos, respostas afiadas, piadas que surgem naturalmente... tudo isso marca presença neste livrinho curto e ideal para momentos de descontração. Um legítimo “Woody Allen”. Mais uma ótima leitura para minha coleção.

JIM - Preciso contar a Lola... preciso... é o único jeito.
FRED - É?
JIM - É melhor vindo de mim do que por um estranho mal-intencionado.
FRED - É mesmo?
JIM - Além disso, põe um fim à ameaça de chantagem.
FRED - Você não pode contar a Lola que está tendo um caso há seis meses.
JIM - Por que não? Se eu levar flores...
FRED - Não há flores suficientes nem no Jardim Botânico.
JIM - As pessoas têm casos e depois percebem que erraram.
FRED - Você está sendo racional demais. A Lola tem tolerância zero para infidelidade. Foi o que destruiu a infância dela.
JIM - Como você sabe disso?
FRED - Meu cachorro me disse.
[Trecho de 'Riverside Drive']

Para quem procura uma leitura leve sobre assuntos triviais com uma escrita simples e envolvente.



3 comentários:

mm amarelo disse...

Michelle, preciso de mais Woody Allen na minha vida!
Dele eu li "Sem plumas" e lá tem um texto que amo muito, porque é engraçado, cheio de referências, e genial, mas genial mesmo. É uma paródia com "Cartas a Theo", do Van Gogh - lá ele trata os impressionistas como dentistas. Genial!

beijo grande, Mi
saudade!

Maira

Anônimo disse...

Olha, eu não curto muito peças, mas até fiquei com vontade de conhecer a escrita de Allen. E, gente, que situações são essas? Li cada parágrafo com um sorriso no rosto. Gostei mais da primeira “Riverside Drive”. :D

Bjs ;)

Tati disse...

Eu nunca li nada do Allen apesar de já ter trivisto todos os filmes dele :O Que falha de caráter essa minha hahahahaha
Pelo menos agora já sei por onde começar, adorei a resenha ;)
Beijos!!!