LIVRO: 1984
Escrito
em 1949, em uma época em que o ano de 1984 ainda fazia parte de um futuro
próximo, o último livro de George Orwell
pode ser visto como uma dura crítica aos regimes totalitários, uma forma de
apresentar os receios pós-Segunda Guerra e o medo diante dos países soviéticos
que cresciam dia a dia. No entanto, décadas depois do fracasso do comunismo, os
questionamentos levantados pelo autor continuam mais relevantes que nunca em um
mundo em que a vigilância está em cada esquina e a perda da privacidade e da
liberdade se justifica pelo suposto bem da coletividade.
Em Oceânia, um dos três países em que se
divide o mundo em 1984, Winston é um
funcionário do Partido Externo que trabalha reescrevendo os acontecimentos. Sua
função é atualizar as notícias e fatos antigos a fim de eliminar tudo que
contradiga as ações atuais do Partido, de modo que as previsões do governo
sempre tenham sido corretas. Como todos os funcionários de sua categoria, ele
dedica sua infeliz existência ao trabalho, vive tenso e doente. Um dia, ele
cede aos seus impulsos mais secretos de anotar em um diário suas inquietações,
o que configura um dos principais crimes desse novo regime: a liberdade de
pensamento.
Sob
o peso da culpa, ele passa a se sentir constantemente espionado. Ironicamente,
acaba se envolvendo romanticamente com uma garota que, a princípio, ele achava
que o seguia para delatar suas contravenções. Ao viver seu amor com a jovem Julia, Winston comete sua segunda infração grave, pois a sociedade
em que vive extinguiu o amor e proibiu o sexo, já que toda a energia acumulada
deve ser usada em favor do Partido. Assim, levando uma vida dupla e agindo
clandestinamente contra o Grande Irmão,
Winston e Julia vão se enterrando cada vez mais em uma viagem sem volta rumo à
destruição de suas identidades.
Quando
comecei a ler “1984” eu tinha altas
expectativas, afinal é um clássico das distopias. No entanto, até a metade do
livro eu ainda não tinha sido fisgada. Algo me incomodava. Não via lógica na
existência de uma sociedade distópica em que todos fossem iguais,
miseravelmente iguais. Porque, sim, geralmente o que temos nesse tipo de
história é um universo no qual um número enorme de pessoas vive em condições
precárias para que uma minoria possa ter regalias (que é algo bem próximo do
que vivemos atualmente) ou então é uma sociedade tão avançada que já conseguiu
eliminar as mazelas do mundo contemporâneo (fome, dor, doenças, desigualdades,
etc). Em “1984” os cidadãos do
Partido Exterior, que formam a grande massa trabalhadora, não diferem muito dos
Proletas, os indivíduos sem função na sociedade e, portanto, abandonados à
própria sorte. Mesmo os membros do Partido Interno, o mais alto nível de
hierarquia, vivem em constante vigilância e com poucos luxos. Para que abrir mão da liberdade se é para passar fome, viver em buracos e ser infeliz? Tudo o que eu
conseguia pensar é que tal sociedade obviamente era falha e nem um pouco
atraente.
Todavia,
a explicação de que eu precisava apareceu lá pela página 200 e tanto: a miséria
uniforme era intencional e minuciosamente planejada a fim de controlar toda a
população por meio de uma guerra constante e interminável. A genialidade do
sistema consiste em forçar o trabalho pesado para financiar a guerra e, ao
mesmo tempo, destruir toda a produção, mantendo as pessoas presas em uma
espiral de penúria que torna até as mais ínfimas melhoras na ração diária uma
grande conquista e bênção do Partido. Na verdade, não importa quem é o inimigo:
o que vale é manter a massa constantemente ocupada, cansada demais para pensar,
com medo demais para discordar.
Uma
das coisas que mais me agradou em “1984” é a Novafala, o
novo idioma de Oceânia, que tem seu léxico reduzido a cada revisão, eliminando
sinônimos, acabando com as nuances e padronizando não só a fala e a escrita, mas
também o pensamento. É muito intrigante que na Novafala as palavras que
permaneceram em uso tenham dois sentidos opostos. Para mim, só o apêndice que
explica as normas da Novafala já valeu pelo livro todo. A dubiedade dos termos
pode ser exemplificada com o nome dos ministérios: o da Verdade trata de
falsificação e criação de mentiras; o do Amor se encarrega da tortura; o da Paz
é responsável por manter a guerra e o da Pujança fica a cargo da perpetuação da
pobreza. Essa contrariedade de ideias também é expressa nos lemas do Partido: "Guerra
é Paz; Liberdade é Escravidão; Ignorância é Força". Brilhante e
perturbador.
“Obediência
não basta. Se ele não sofrer, como você pode ter certeza de que obedecerá à sua
vontade e não à dele próprio? Poder é infligir dor e humilhação. Poder é
estraçalhar a mente humana e depois juntar outra vez os pedaços, dando-lhes a
forma que você quiser".
Um
clássico que continua atual. Fundamental para entender o nosso mundo e para
conhecer melhor uma das maiores referências de distopias.
Esta
primeira adaptação do livro foi feita em 1955,
quando os terrores da Segunda Guerra ainda estavam bem vívidos. Winston é interpretado por Edmond
O’Brien e Julia é encarnada
por Jan
Sterling.
O
uso de uniformes e números de identificação, bem como a acertada opção de
gravar em preto e branco reforçam ainda mais a ideia de padronização, de falta
de individualidade e de um mundo que funciona como uma grande máquina de
guerra, no qual cada cidadão é uma peça com função específica que é eliminada
sem demora quando dá defeito.
Em
geral, a história foi bem adaptada, mas claro que foi necessário fazer escolhas
e deixar de fora algumas subtramas. Os proletas, por exemplo, que no livro
representam a esperança de mudança de Winston (um tanto ingênua, acho eu), aqui
são mencionados muito de passagem, o que dá um tom mais pesado ao final.
Particularmente, até prefiro assim.
O
romance entre o protagonista inconformado e a jovem que prefere pequenos atos
de rebeldia à revolução perde um pouco dos momentos de sensibilidade e das
conversas descontraídas por causa do tempo previsto para contar a história, mas
ainda assim é legal de acompanhar.
Uma
das coisas que mais chamaram minha atenção durante a leitura é a falta de
aparatos tecnológicos. Sim, há as telas de vigilância nas casas e os telões nas praças, mas a
tecnologia, como tudo mais nessa sociedade, é sucateado e, como bem explicado
no livro, não há liberdade de pensamento, portanto não há pesquisas nem
avanços. No entanto, as cenas que mostram o departamento em que trabalha
Winston são interessantes, mantendo a ideia de engrenagens ainda, mas me
pareceu um dos poucos lugares limpos e até bonito perto do restante dos
ambientes.
Por
fim, a tortura de Winston não é mostrada com todo o esplendor de crueldade
narrado no livro (afinal, o filme tinha que ser exibido, não é?), mas a
sugestão faz um bom trabalho. O terror no rosto do protagonista ao ser
confrontado com seu maior medo torna desnecessário mostrar o que o aguardava.
Uma
ótima adaptação. Um complemento perfeito para o livro.
Este post faz parte do Projeto Grandes Livros no Cinema. Para ver a lista de títulos com os links das resenhas feitas, clique AQUI.
3 comentários:
Eu só conhecia o filme dos anos 80. Apesar de gostar do John Hurt no papel, o filme em si não me agradou muito.
Sua nota foi bem alta para essa adaptação dos anos 50! Vou separar esse para assistir no próximo fim de semana. :)
Olá Michelle tudo bom?
Quando li o título do post pensei: Meu Deus tem filme de 1984!!! Não sabia da existência do filme, vou correr pra tentar achar pra ver. Gostei do livro mais pro final, agora o filme, sendo preto e branco, tenho certeza que já vou gostar logo de cara hahaha!!
Abraços ^^
Ah, Mi, você assistiu a versão mais antiga, que legal, na época que li o livro vi a adaptação de 1984 (legal eles terem feito o filme no exato ano de 84). Achei boa mas fiel demais, sabe? Como filme não foi além. Mas o visual desse de 56 parece bem interessante. =)
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