segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Leia o Livro, Veja o Filme: 1984

LIVRO: 1984

Escrito em 1949, em uma época em que o ano de 1984 ainda fazia parte de um futuro próximo, o último livro de George Orwell pode ser visto como uma dura crítica aos regimes totalitários, uma forma de apresentar os receios pós-Segunda Guerra e o medo diante dos países soviéticos que cresciam dia a dia. No entanto, décadas depois do fracasso do comunismo, os questionamentos levantados pelo autor continuam mais relevantes que nunca em um mundo em que a vigilância está em cada esquina e a perda da privacidade e da liberdade se justifica pelo suposto bem da coletividade.

Em Oceânia, um dos três países em que se divide o mundo em 1984, Winston é um funcionário do Partido Externo que trabalha reescrevendo os acontecimentos. Sua função é atualizar as notícias e fatos antigos a fim de eliminar tudo que contradiga as ações atuais do Partido, de modo que as previsões do governo sempre tenham sido corretas. Como todos os funcionários de sua categoria, ele dedica sua infeliz existência ao trabalho, vive tenso e doente. Um dia, ele cede aos seus impulsos mais secretos de anotar em um diário suas inquietações, o que configura um dos principais crimes desse novo regime: a liberdade de pensamento.

Sob o peso da culpa, ele passa a se sentir constantemente espionado. Ironicamente, acaba se envolvendo romanticamente com uma garota que, a princípio, ele achava que o seguia para delatar suas contravenções. Ao viver seu amor com a jovem Julia, Winston comete sua segunda infração grave, pois a sociedade em que vive extinguiu o amor e proibiu o sexo, já que toda a energia acumulada deve ser usada em favor do Partido. Assim, levando uma vida dupla e agindo clandestinamente contra o Grande Irmão, Winston e Julia vão se enterrando cada vez mais em uma viagem sem volta rumo à destruição de suas identidades.

Quando comecei a ler 1984” eu tinha altas expectativas, afinal é um clássico das distopias. No entanto, até a metade do livro eu ainda não tinha sido fisgada. Algo me incomodava. Não via lógica na existência de uma sociedade distópica em que todos fossem iguais, miseravelmente iguais. Porque, sim, geralmente o que temos nesse tipo de história é um universo no qual um número enorme de pessoas vive em condições precárias para que uma minoria possa ter regalias (que é algo bem próximo do que vivemos atualmente) ou então é uma sociedade tão avançada que já conseguiu eliminar as mazelas do mundo contemporâneo (fome, dor, doenças, desigualdades, etc). Em 1984” os cidadãos do Partido Exterior, que formam a grande massa trabalhadora, não diferem muito dos Proletas, os indivíduos sem função na sociedade e, portanto, abandonados à própria sorte. Mesmo os membros do Partido Interno, o mais alto nível de hierarquia, vivem em constante vigilância e com poucos luxos. Para que abrir mão da liberdade se é para passar fome, viver em buracos e ser infeliz? Tudo o que eu conseguia pensar é que tal sociedade obviamente era falha e nem um pouco atraente.

Todavia, a explicação de que eu precisava apareceu lá pela página 200 e tanto: a miséria uniforme era intencional e minuciosamente planejada a fim de controlar toda a população por meio de uma guerra constante e interminável. A genialidade do sistema consiste em forçar o trabalho pesado para financiar a guerra e, ao mesmo tempo, destruir toda a produção, mantendo as pessoas presas em uma espiral de penúria que torna até as mais ínfimas melhoras na ração diária uma grande conquista e bênção do Partido. Na verdade, não importa quem é o inimigo: o que vale é manter a massa constantemente ocupada, cansada demais para pensar, com medo demais para discordar.

Uma das coisas que mais me agradou em 1984” é a Novafala, o novo idioma de Oceânia, que tem seu léxico reduzido a cada revisão, eliminando sinônimos, acabando com as nuances e padronizando não só a fala e a escrita, mas também o pensamento. É muito intrigante que na Novafala as palavras que permaneceram em uso tenham dois sentidos opostos. Para mim, só o apêndice que explica as normas da Novafala já valeu pelo livro todo. A dubiedade dos termos pode ser exemplificada com o nome dos ministérios: o da Verdade trata de falsificação e criação de mentiras; o do Amor se encarrega da tortura; o da Paz é responsável por manter a guerra e o da Pujança fica a cargo da perpetuação da pobreza. Essa contrariedade de ideias também é expressa nos lemas do Partido: "Guerra é Paz; Liberdade é Escravidão; Ignorância é Força". Brilhante e perturbador.

“Obediência não basta. Se ele não sofrer, como você pode ter certeza de que obedecerá à sua vontade e não à dele próprio? Poder é infligir dor e humilhação. Poder é estraçalhar a mente humana e depois juntar outra vez os pedaços, dando-lhes a forma que você quiser".

Um clássico que continua atual. Fundamental para entender o nosso mundo e para conhecer melhor uma das maiores referências de distopias.

Este post faz parte do Desafio Literário Skoob 2014 - Mês de Outubro: Ficção Científica. Para ver a lista de obras selecionadas e outros posts do DLSkoob2014, clique AQUI.



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FILME: 1984

Esta primeira adaptação do livro foi feita em 1955, quando os terrores da Segunda Guerra ainda estavam bem vívidos. Winston é interpretado por Edmond O’Brien e Julia é encarnada por Jan Sterling.


O uso de uniformes e números de identificação, bem como a acertada opção de gravar em preto e branco reforçam ainda mais a ideia de padronização, de falta de individualidade e de um mundo que funciona como uma grande máquina de guerra, no qual cada cidadão é uma peça com função específica que é eliminada sem demora quando dá defeito.


Em geral, a história foi bem adaptada, mas claro que foi necessário fazer escolhas e deixar de fora algumas subtramas. Os proletas, por exemplo, que no livro representam a esperança de mudança de Winston (um tanto ingênua, acho eu), aqui são mencionados muito de passagem, o que dá um tom mais pesado ao final. Particularmente, até prefiro assim.


O romance entre o protagonista inconformado e a jovem que prefere pequenos atos de rebeldia à revolução perde um pouco dos momentos de sensibilidade e das conversas descontraídas por causa do tempo previsto para contar a história, mas ainda assim é legal de acompanhar.


Uma das coisas que mais chamaram minha atenção durante a leitura é a falta de aparatos tecnológicos. Sim, há as telas de vigilância nas casas e os telões nas praças, mas a tecnologia, como tudo mais nessa sociedade, é sucateado e, como bem explicado no livro, não há liberdade de pensamento, portanto não há pesquisas nem avanços. No entanto, as cenas que mostram o departamento em que trabalha Winston são interessantes, mantendo a ideia de engrenagens ainda, mas me pareceu um dos poucos lugares limpos e até bonito perto do restante dos ambientes.


Por fim, a tortura de Winston não é mostrada com todo o esplendor de crueldade narrado no livro (afinal, o filme tinha que ser exibido, não é?), mas a sugestão faz um bom trabalho. O terror no rosto do protagonista ao ser confrontado com seu maior medo torna desnecessário mostrar o que o aguardava.

Uma ótima adaptação. Um complemento perfeito para o livro.



Este post faz parte do Projeto Grandes Livros no Cinema. Para ver a lista de títulos com os links das resenhas feitas, clique AQUI.


3 comentários:

Thaísa Gonçalves disse...

Eu só conhecia o filme dos anos 80. Apesar de gostar do John Hurt no papel, o filme em si não me agradou muito.

Sua nota foi bem alta para essa adaptação dos anos 50! Vou separar esse para assistir no próximo fim de semana. :)

brigada paralela disse...

Olá Michelle tudo bom?
Quando li o título do post pensei: Meu Deus tem filme de 1984!!! Não sabia da existência do filme, vou correr pra tentar achar pra ver. Gostei do livro mais pro final, agora o filme, sendo preto e branco, tenho certeza que já vou gostar logo de cara hahaha!!
Abraços ^^

Anônimo disse...

Ah, Mi, você assistiu a versão mais antiga, que legal, na época que li o livro vi a adaptação de 1984 (legal eles terem feito o filme no exato ano de 84). Achei boa mas fiel demais, sabe? Como filme não foi além. Mas o visual desse de 56 parece bem interessante. =)