“Terra do Pecado” é o primeiro livro do
Saramago, publicado em 1947, mas só passou a figurar na bibliografia oficial do
autor na década de 90, depois que a publicação de “Levantado do Chão”, em 1980,
levou o escritor à fama. A história tem como protagonista Maria Leonor, viúva,
mãe de duas crianças, que se vê perdida diante das inúmeras dificuldades de
administração de sua propriedade, tendo que lidar ainda com a saudade do marido
e com as expectativas da sociedade em relação ao seu novo estado civil.
Maria Leonor é uma mulher frágil, que
sempre desempenhou apenas dos papéis que lhe cabiam: filha, esposa e mãe. Seu
universo se resumia à casa da propriedade rural em que vivia, cuidando dos
filhos, supervisionando os empregados, se dedicando aos bordados e às leituras.
Quando o marido morre, ela não suporta a perda e adoece, mais devido aos seus
nervos abalados do que por problemas físicos. Meses se passam e a vida na quinta
é colocada em suspenso, até que questões de ordem prática precisam ser
resolvidas e a protagonista é forçada e sair da cama e assumir suas
responsabilidades de proprietária.
Mesmo
com várias recaídas, ela consegue restabelecer a ordem na casa e desenvolve
habilidades de gerente até que bem rápido, mas em seu íntimo continua sendo
assombrada pela falta do marido e por perceber algo que era considerado um
pecado gravíssimo: ela continuava viva. De acordo com os costumes da sociedade
daquela época, a viúva deveria morrer com o esposo, ainda que continuasse
vagando pela superfície terrestre; ela não poderia jamais voltar a sorrir ou
seguir com sua vida - imagine então desejar um homem novamente! E é justamente
isso que Maria Leonor ousa fazer.
Embora
o estilo peculiar de Saramago, com abundância de digressões e ausência de
pontuação, ainda não estivesse presente em seu primeiro trabalho, já dá para
perceber seu talento para contar histórias. Além disso, outro traço
característico de suas obras, a crítica à religião, já é evidente em “Terra do
Pecado”, com o embate entre o comportamento beato da empregada Benedita somado à presença constante do padre e os comentários céticos e um
tanto irônicos do médico Viegas.
A
apatia da protagonista diante de certas situações de seu cotidiano me irritaram
um pouco, mas mesmo assim não pude deixar de ter pena dela. Tentei me imaginar
vivendo na mesma época que ela, sofrendo com a opressão do comportamento ditado
pelas regras sociais, tendo que se esgueirar pelas sombras na própria casa,
temendo os olhares de julgamento dos empregados, inventando as mentiras mais
escabrosas que acabaram por destruir a vida de inocentes só para manter a
reputação e não ser alvo de fofocas (que afetariam não apenas a ela, mas também
aos filhos e aos negócios). Carregar o fardo da culpa, acusada de um pecado que estava além seu controle. Nada fácil.
“Foi
o Doutor Viegas que me salvou, dirão os cépticos; foi Deus que, por intermédio
dele, não quis que eu morresse já, dirão os crentes; ainda não era a minha
hora, dirão os fatalistas. Todos temos razão, afinal. Eu fui salva quando me
perdia”.
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Esta
leitura faz parte do Projeto Ler Saramago,
criado pela Cláudia, do blog A Mulher que Ama Livros, que consiste em ler todos os romances do autor
português em ordem cronológica. Nossa próxima leitura será: “Manual de Caligrafia e Pintura”. Quem
quiser ler com a gente, é só chegar!
3 comentários:
Ainda não conhecia esse livro, eu achava que "Levantado do chão" era o primeiro livro dele.
Muito legal a ideia desse projeto de ler toda a obra do autor em obra cronológica. Boa leitura para quem vai participar!
Conheci o projeto através do blog da Pipa e amei!! É um dos meus autores favoritos!
Gostaria de me juntar a vocês, porém não encontrei edição de "Terra do Pecado" ara comprar por aqui.. (há um exemplar na estante virtual por R$180, então não conta.. rsrs) :(
Você tem alguma dica de como posso consegui-lo? :)
Muito obrigada
Até a sua premiação em 1998, com o Nobel de Literatura, Saramago renegava toda a sua produção anterior a Levantado do Chão, pois se julgava um escritor anacrônico, usando a prosa de ficção nos moldes da literatura portuguesa do final do seculo XIX. Que bom que ele mudou de ideia.
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