sábado, 25 de outubro de 2014

Resenha: O Ano de 1993


Este mês o tema do Desafio Literário Skoob é ‘ficção científica’, então, como vocês devem ter percebido, postei várias resenhas sobre o assunto. E eis que, num domingo, eu queria ler algo rápido, um livro curto daqueles que devoramos em uma sentada. Após breve análise das opções disponíveis na estante, escolhi "O Ano de 1993", do Saramago. O motivo da escolha foi pura e simplesmente o número de páginas, mas qual não foi minha surpresa quando começo a ler e me deparo com uma história que parecia saída diretamente da cabeça de um típico autor de tramas futuristas...

Juro que me assustei com a coincidência e comecei a rir sozinha. Mas falando da história... o cenário é um local indeterminado no distante ano de 1993 (o livro foi escrito em 1975), um mundo no qual as cidades foram invadidas por lobos ferozes e animais mecânicos, as pessoas vagam de um lado para o outro sem saber bem o que procuram ou o que fazer. Parece que várias épocas distintas se fundem, ora apresentando tecnologia avançada (que servia para controlar a massa humana em constante perambulação), ora desenhando um retrocesso ao tempo das cavernas (já que em determinado momento as pessoas perdem seu conhecimento e, literalmente, vivem a redescoberta do fogo).

Como numa fantasia distópica, os seres humanos vão perdendo as características que os separam das outras espécies, há um governo invisível e opressor que aterroriza as pessoas, as táticas empregadas são de guerra: ocupação, massacre, violação. Aos poucos, a privacidade é extinta e a liberdade desaparece. Os sobreviventes andam e andam e andam sem rumo.

“O Ano de 1993” é um livro estranho. Isso não significa que não seja bom, é apenas diferente. Em seu formato, de frases curtas e capítulos de poucas páginas, é considerado um livro de poesias, mas seu conteúdo difere um pouco do que geralmente vemos em tal gênero literário. Apesar da tristeza impressa às palavras do autor (que podem refletir a dureza da ditadura salazarista, encerrada um ano antes pela Revolução dos Cravos), o desfecho acena com uma esperança de dias melhores.  

Vou transcrever aqui o Capítulo 4 para vocês terem uma ideia de como é o livro:

“O interrogatório do homem que saiu de casa depois da hora de recolher começou há quinze dias e ainda não acabou

Os inquiridores fazem uma pergunta em cada sessenta minutos vinte e quatro horas por dia e exigem cinquenta e nove respostas diferentes para cada uma

É um método novo

Acreditam que é impossível não estar a resposta verdadeira entre as cinquenta e nove que foram dadas

E contam com a perspicácia do ordenador para descobrir qual delas seja e sua ligação com as outras

Há quinze dias que o homem não dorme nem dormirá enquanto o ordenador não disser não preciso mais ou o médico não preciso de tanto

Caso em que terá seu definitivo sono

O homem que saiu de casa depois da hora de recolher não dirá por que saiu

E os inquiridores não sabem que a verdade está na sexagésima resposta

Entretanto a tortura continua até que o médico declare

Não vale a pena”

Embora eu não goste muito de poesias, me surpreendi com este livro. Recomendo principalmente aos fãs do Saramago que não conhecem essa faceta dele.

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