Este
mês o tema do Desafio Literário Skoob é ‘ficção científica’, então, como vocês
devem ter percebido, postei várias resenhas sobre o assunto. E eis que, num
domingo, eu queria ler algo rápido, um livro curto daqueles que devoramos em
uma sentada. Após breve análise das opções disponíveis na estante, escolhi "O Ano de 1993", do Saramago. O motivo da escolha foi pura
e simplesmente o número de páginas, mas qual não foi minha surpresa quando
começo a ler e me deparo com uma história que parecia saída diretamente da
cabeça de um típico autor de tramas futuristas...
Juro
que me assustei com a coincidência e comecei a rir sozinha. Mas falando da
história... o cenário é um local indeterminado no distante ano de 1993 (o livro
foi escrito em 1975), um mundo no qual as cidades foram invadidas por lobos
ferozes e animais mecânicos, as pessoas vagam de um lado para o outro sem saber
bem o que procuram ou o que fazer. Parece que várias épocas distintas se
fundem, ora apresentando tecnologia avançada (que servia para controlar a massa
humana em constante perambulação), ora desenhando um retrocesso ao tempo das
cavernas (já que em determinado momento as pessoas perdem seu conhecimento e,
literalmente, vivem a redescoberta do fogo).
Como
numa fantasia distópica, os seres humanos vão perdendo as características que
os separam das outras espécies, há um governo invisível e opressor que
aterroriza as pessoas, as táticas empregadas são de guerra: ocupação, massacre,
violação. Aos poucos, a privacidade é extinta e a liberdade desaparece. Os
sobreviventes andam e andam e andam sem rumo.
“O
Ano de 1993”
é um livro estranho. Isso não significa que não seja bom, é apenas diferente. Em
seu formato, de frases curtas e capítulos de poucas páginas, é considerado um
livro de poesias, mas seu conteúdo difere um pouco do que geralmente vemos em tal gênero literário. Apesar da
tristeza impressa às palavras do autor (que podem refletir a dureza da
ditadura salazarista, encerrada um ano antes pela Revolução dos Cravos), o
desfecho acena com uma esperança de dias melhores.
Vou transcrever aqui o Capítulo 4 para vocês terem uma ideia de como é o livro:
“O
interrogatório do homem que saiu de casa depois da hora de recolher começou há
quinze dias e ainda não acabou
Os
inquiridores fazem uma pergunta em cada sessenta minutos vinte e quatro horas
por dia e exigem cinquenta e nove respostas diferentes para cada uma
É um
método novo
Acreditam
que é impossível não estar a resposta verdadeira entre as cinquenta e nove que
foram dadas
E
contam com a perspicácia do ordenador para descobrir qual delas seja e sua
ligação com as outras
Há
quinze dias que o homem não dorme nem dormirá enquanto o ordenador não disser
não preciso mais ou o médico não preciso de tanto
Caso
em que terá seu definitivo sono
O
homem que saiu de casa depois da hora de recolher não dirá por que saiu
E os
inquiridores não sabem que a verdade está na sexagésima resposta
Entretanto
a tortura continua até que o médico declare
Não
vale a pena”
Embora
eu não goste muito de poesias, me surpreendi com este livro. Recomendo
principalmente aos fãs do Saramago que não conhecem essa faceta dele.
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