“(...) as personagens deste livro estão em
trânsito, suspensas entre um fato e outro, um gesto e outro, uma e outra
espera. Nem servem os diálogos para dar concretude àquilo que não se quer
concreto, as falas são somente pistas, elementos pingados com parcimônia, que
ao bom entendedor indicam sentimentos nunca explicitados. Não se trata aqui de
narrativas convencionais, princípio, meio e fim. Cada história começa no meio
da história ou em um ponto qualquer de seu percurso, sem que nenhum fato
marcante nos diga: neste ponto tudo teve início. O leitor embarca como se
pegasse um trem em movimento, salta no fim que não é nunca um fim mas apenas
uma estação, e a história parece seguir em frente sem ele, em direção
ignorada”.
Texto
de Marina Colasanti na contracapa
Ficar
sentado à janela de um veículo em movimento é realmente como nos sentimos
durante a leitura de “Contos de Mentira”.
Aquela fração de segundo durante a qual algo nos chama a atenção em uma cena
banal enquanto observamos despretensiosamente a paisagem, absortos em nossos
pensamentos. É sobre pessoas comuns, em pequeno recorte de suas vidas, que
escreve a autora.
Os
personagens são irmãos, amigos, casais, colegas de classe, clientes de um
estabelecimento, amantes, pais e filhos. Em comum, a solidão, a sensação de não
se encaixar, de não atender às expectativas alheias, de sentir-se
desconfortável em sua própria pele. Há sempre um problema de comunicação, um
ruído externo ou uma perturbação interna que faz com que as pessoas não
entendam umas às outras ou a si mesmas. Há sempre algo deixado por dizer.
Na
tentativa de resolverem suas inquietações e porem fim às insatisfações, os
personagens sofrem, se torturam e mentem. Mentem o tempo todo. Aquelas pequenas
mentiras para manter as aparências, para não preocupar a quem se ama, para se
safar, para não correr riscos; enganam aos outros e, sobretudo, enganam a si
mesmos. A maior mentira é dizer que não se mente, certo?
Gostei
bastante do livro, que li bem devagar, um ou dois contos por dia apenas. A cada
sessão de leitura, conhecia esses seres ficcionais tão interessantes quanto
críveis. De alguns eu queria me aproximar, conhecer melhor; de outros, queria
distância. Alguns despertaram em mim pena, outros raiva, alguns ternura. O fato
é que impossível ficar indiferente à escrita Luisa Geisler. Suas frases curtas e precisas são muito eficientes e
fazem o tempo passar rápido. Por fim, quando acabei de ler, me senti tão órfã
ao me despedir daquelas pessoas inventadas que comecei a vasculhar a estante
atrás de outro livro de contos que pudesse me devolver a mesma sensação
agradável que tive durante a leitura de “Contos de Mentira”. Já fiz minha
escolha. Tomara que eu tenha sorte!
“Eu
só quero a vida que todo mundo tem. Sempre quis. Todo mundo quer a vida que
todo mundo tem, por mais idiota que isso soe. Olhando de perto, todo mundo se
sente deslocado em relação aos outros. Mas dá pra ver que todo mundo é igual
aos outros nos outros. Todo mundo se sente muito outsider, muito diferente,
único, criativo e especial. Adivinha só, raio de sol, você não é.” (Trecho de ‘Casaco de lã, raio de sol,
cheiro a jasmim e porre de vodca’)
Um comentário:
Poxa não conhecia esse título, mas essa ideia de "olhar através da janela em movimento" me atrai, a capacidade de um autor de descrever um momento e contextualiza-lo é muito interessante. Gosto de livros que tratam sobre assuntos que achamos banais, mas na verdade não são, acho que esse tipo de abordagem é dificil de tratar em um livro, e quando dá certo é fantástico.
abraços
Melissa Padilha
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