Dividido em duas partes, o livro usa a fictícia cidade gaúcha de Antares como um microcosmo do Brasil, e escancara todo tipo de mazela do país com uma prosa ácida que mescla fatos históricos com acontecimentos inventados, fazendo o leitor refletir e também gargalhar.
A parte 1 prepara o palco para os atores brilharem na segunda metade. É aqui que o autor apresenta os contextos social e político que formaram, ao longo de séculos, a cultura de coronelismo, maracutaias políticas e nepotismo, as desigualdades, a ignorância, o falso moralismo e o racismo de cada dia, que, combinados com a apatia e a memória curta das massas, mantêm o país em permanente inércia. Nessas primeiras páginas, acompanhamos as brigas entre as duas famílias mais importantes da cidadezinha e vemos como funcionam as estruturas de poder.
A segunda parte fala do incidente em si, acontecido numa sexta-feira 13, em dezembro de 1963. Tudo tem início quando uma greve geral paralisa Antares e, por obra do destino, sete pessoas morrem naquele momento em que os coveiros se recusavam a deixar qualquer defunto entrar no cemitério. Os mortos, depois de fazerem uma visitinha a certos amigos e parentes, decidem ficar sentados no coreto, incomodando a todos com seu cheiro fétido e sua imagem repulsiva, reivindicando seu direito a um enterro digno. É da boca deles que saem verdades indesejáveis, principalmente sobre grandes figurões locais. Apesar de suas origens diversas, é apenas entre os falecidos que existe democracia real.
“Incidente em Antares” é um livro incrível. O olhar perspicaz do autor e sua narrativa bem-humorada tornam a leitura informativa e divertida ao mesmo tempo. Com personagens representativos e diálogos espertos, ele pinta com cores vívidas um quadro dos brasileiros e seu jeito de ser e, com muita coragem, fala sobre a ditadura. Achei um pouco cansativo em alguns momentos, mas talvez seja reflexo do cansaço real que sinto ultimamente. Penso que daria para eliminar alguns personagens secundários que acabam desviando o foco às vezes. De todo modo, é um grande livro. Recomendo demais a leitura.
“Viver, para muitos, às vezes parece até uma
espécie de cacoete.”
Nota: 4/5
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