quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Resenha: Rinha de galos


“Certa noite, a barriga de um galo estourou enquanto eu o carregava nos braços como se fosse uma boneca, e descobri que aqueles homens tão machos que gritavam e atiçavam para que um galo rasgasse o outro de cima a baixo tinham nojo da merda, do sangue e das vísceras do galo morto. Assim, eu passava essa mistura nas mãos, nos joelhos e no rosto, e eles pararam de me importunar com beijos e outras idiotices.

Diziam ao meu pai:

– Sua filha é um monstro.”

Monstro. Ou louca. Muitas vezes, puta. Adjetivos muito atribuídos às mulheres por aqueles que as deixam em tal situação. Nos 13 contos que compõem este livro da equatoriana María Fernanda Ampuero é escancarada a violência contra as pessoas mais vulneráveis: crianças, empregadas domésticas, filhas, irmãs, vizinhas. Ela vem de diversas formas, como cantadas supostamente inocentes e toques sem consentimento, como palavras gritadas contra a vítima ou calúnias inventadas pelas suas costas, como tortura psicológica, como humilhação e abuso físico. E, espelhando o que acontece na realidade, o ataque geralmente vem de um parente ou conhecido, alguém que se aproveita da falsa sensação de segurança que o lar devia oferecer a quem nele mora.

Cada conto é uma pedrada. Tive que ler aos poucos. Foi preciso dar um tempo, respirar, deixar aquela sensação incômoda desvanecer, me preparar para o round seguinte. Mas é inegável a força das palavras da autora, como ela consegue ser cirúrgica ao retratar situações banais (mas nem por isso menos cruéis), males que afetam pessoas do mundo todo, mas que, nesses contos, evidenciam peculiaridades de países de Terceiro Mundo, onde as desigualdades sociais são mais gritantes e pobres que se sentem elite reproduzem comportamentos predatórios que acabam por prejudicar a si mesmos.

Um livraço!

Nota: 5/5


Este post faz parte do Desafio Volta ao Mundo em 80 Livros[Equador]Para ver a apresentação do projeto e a lista de títulos/resenhas, clique AQUI ou no banner na coluna à direita.  

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