Jonas vive em um mundo perfeito, onde
não existe fome, doenças ou dor. Guerra é uma palavra desconhecida. Nesse
lugar ideal, tudo funciona com precisão, em ordem e total harmonia. Assim como
as pessoas não têm do que se queixar, também não têm o que celebrar ou desejar.
Os sentimentos são vistos como algo ruim e, portanto, devidamente controlados.
O futuro de cada habitante já foi devidamente planejado e o passado é uma noção
de tempo muito superficial. Conhecer a história da humanidade é uma tarefa
árdua e designada a uma pessoa apenas: o Recebedor.
E é em sua Cerimônia dos Doze, assustado, que Jonas é informado que foi
escolhido para ocupar tal função.
No
universo distópico criado por Lois Lowry, as pessoas vivem uma
vida asséptica desde sua criação, por inseminação, em uma Mãe Biológica (uma
das funções menos dignas da comunidade), são produzidas em série, em lotes com
um número X de indivíduos previamente determinado, e crescem em uma espécie de
laboratório até que atinjam idade suficiente e sejam capazes de dormir a noite
toda (afinal, os casais estáveis e devidamente aprovados que se inscreveram
para ser Pais são pessoas atarefadas e não podem virar noites acordados para
cuidar de bebês chorões). Depois, a cada ano, esses novos cidadãos devem
atingir os conhecimentos esperados e desenvolver as habilidades necessárias,
sendo recompensados na cerimônia anual que atribui novas responsabilidades a
cada faixa etária, lote a lote, até Cerimônia dos Doze, idade em que cada
pessoa recebe sua função e inicia a vida adulta.
Jonas
recebe a designação de sua nova função com um misto de decepção e curiosidade.
Embora tenham dito a ele que é uma tarefa especial e de grande importância, ele
não sabe exatamente o que esperar, e, para piorar, se sente solitário. Enquanto
vê os amigos empolgados com o aprendizado de suas novas responsabilidades e se
divertindo no tempo livre, ele sente o peso de não poder comentar com ninguém o
que faz. E esse é só o começo. A cada visita que faz ao Receptor original, que passa a ser o Doador, Jonas vai descobrindo horrorizado tudo o que seus
antecedentes milenares já fizeram ao longo da história mundial e o fardo desse
conhecimento vai pesando mais e mais sobre seus ombros. As memórias que ele
recebe assustam e causam dor física. Mas também há memórias felizes, e felicidade é um
sentimento que ele jamais havia imaginado.
O
fato é que Jonas é um garoto inteligente e logo percebe que o paraíso da
estabilidade e perfeição tem um preço alto. Claro que ele se sente nauseado com
as atrocidades que descobre no passado da humanidade, mas também conhece
sentimentos tão bons que começa a se perguntar se privar as pessoas do
sofrimento é, de fato, algo bom, se fazê-las abdicar do direito de escolha em
troca de necessidades básicas atendidas vale mesmo a pena. Quanto mais aprende,
mais indignado ele fica, até o dia em que um incidente envolvendo seu Pai e um
bebezinho que estava sob seus cuidados faz o copo de indignação transbordar e
Jonas decide que é hora de tomar uma atitude.
"O Doador" (agora rebatizado
como "O Doador de Memórias”) é
um livro que já estava na minha estante fazia tempo. Como não sou fã de séries
e gosto menos ainda de ficar aguardando o lançamento dos volumes (prefiro ler
tudo de uma vez), fui deixando o livro de lado, na esperança de que os outros 3
volumes da saga fossem traduzidos. Lógico que isso não aconteceu e, como o
filme estava para estrear, li assim mesmo. E gostei tanto da história que
acabei lendo os volumes faltantes em inglês mesmo, na sequência.
Sem
dúvida, Lowry não é a primeira autora a escrever sobre um indivíduo que resolve
se rebelar contra o sistema, mas sua trama é muito bem construída, os
personagens são interessantes e algumas características fizeram a diferença
para mim: a primeira é que FINALMENTE-ALELUIA-NEM-ACREDITO não há um triângulo
amoroso, nem mesmo uma leve insinuaçãozinha de romance; a segunda é a sacada
esperta de mostra a visão de Jonas ganhando cores em contraposição às imagens
em preto e branco do mundo fabricado (seu sei, está também não é a primeira vez
que o recurso é utilizado, mas funcionou muito bem aqui); e terceira é a
relativa independência dos livros (o 1o se passa em um universo, o 2o tem
personagens e cenários completamente distintos; no 3o começa a haver uma
ligação entre os dois primeiros livros e o 4o amarra tudo direitinho).
Bom,
nem vou falar mais nada. Eu ia fazer um único post com a resenha de "O Doador" em comparação com
o filme, mas decidi separar e, aproveitando, fazer uma Semana Especial da Saga O Doador, para falar detalhadamente
de cada história e de sua adaptação para as telas. Então, amanhã tem post do
filme, quarta tem resenha de "Gathering
Blue", quinta falo sobre "Messenger"
e sexta encerro com "Son".
“Ouviu
vozes de homens chamando uns aos outros. Espiando do local onde se encontrava,
escondido atrás de moitas, lembrou que o Doador lhe contara que houvera um
tempo em que a pele das pessoas tinha cores diferentes. Dois desses homens
tinham a pele marrom-escura. Os outros eram claros. Ao aproximar-se, viu-os
cortar as presas de um elefante que estava caído no chão, imóvel, e arrastá-las
para longe dali, respingadas de sangue. Sentiu-se assoberbado pela nova
percepção da cor que agora conhecia como sendo vermelho (...). Então viu outro
elefante surgir do meio das árvores. Muito lentamente, o elefante se aproximou
do corpo mutilado do outro e contemplou-o. Com sua tromba sinuosa, acariciou o
enorme cadáver, depois levantou-a e, de um golpe, arrancou das árvores alguns
galhos cobertos de folhas e estendeu-os por cima da densa massa de carne
retorcida. Finalmente inclinou sua grande cabeça para o alto, ergueu a tromba e
lançou um urro para a paisagem vazia. Jonas nunca ouvira um som semelhante. Era
um som de raiva e sofrimento, e parecia nunca acabar”.
Distopia
intrigante e rápida de ler. Classificada como YA (juvenil), mas indicada para
leitores de qualquer idade.
Este post faz parte do Desafio Literário Skoob 2014 - Mês de Setembro: Séries. Para ver a lista de obras selecionadas e outros posts do DLSkoob2014, clique AQUI.
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Um comentário:
Li esse livro faz muito tempo e já não lembro mais de nada. Fiquei com vontade de reler e ler o resto da série :)
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