Um famoso cirurgião plástico e sua estranha relação
com a mulher que ele mantém prisioneira. Uma adolescente internada em uma
instituição psiquiátrica. Um jovem que acorda acorrentado em um porão escuro.
Um assaltante condenado ao isolamento por ter seu rosto estampado por todo
lado. O que liga todas essas pessoas? Só lendo as 158 páginas de "Tarântula" para saber.
Para quem acha que já viu essa história em algum
lugar, mas não está lembrando onde ou não reparou ali na foto de capa, respondo: sim, o livro foi adaptado
genialmente para as telas por Almodóvar.
Eu assisti ao filme no cinema e saí de lá perturbada. Mesmo já sabendo da
ligação entre os personagens e conhecendo o evento que gerou toda a devastação
em suas vidas, ainda assim me vi envolvida na trama tensa muito bem construída por
Thierry Jonquet. Assim como os
impotentes personagens, também fiquei presa na teia da aranha.
Os
primeiros personagens que conhecemos são o cirurgião Richard Lafargue e Ève, a
linda mulher que passa os dias confinada em seu quarto, nua, pintando e tocando
piano. Não sabemos quem ela é nem qual é exatamente sua relação com Richard
(esposa? amante? garota de programa?). Só o que fica claro é que é uma ligação
doentia. Richard gosta de admirá-la e exibi-la em eventos que frequenta com
seus colegas de profissão. Ele compra para Ève roupas de grife, joias e
perfumes importados, a leva para jantar nos restaurantes mais badalados da
cidade e sente grande prazer sádico ao vê-la humilhada em sessões de tortura
sexual que agenda para ela.
Éve, por sua vez, não tenta mais escapar, nem estranha
mais o tratamento, não odeia mais Richard tanto assim. Acha até que é apenas o
jeito dele de demonstrar amor. Na verdade, ela nem se lembra direito como era
sua vida antes de encontrar Lafargue. Seu quarto é seu mundo, tudo o que ela
precisa para viver é entregue diariamente de bandeja. Só gostaria de poder
ficar mais tempo ao ar livre, sentindo o calor do sol sobre sua pele.
Enquanto vamos conhecendo aos poucos a dinâmica do
estranho casal e recebendo informações do passado da dupla gota a gota,
acompanhamos os percalços do assaltante fugitivo, como era sua vida antes do
roubo e seu plano para sumir do radar e poder, enfim, gastar a grana que
conseguiu. Também lemos com grande aflição os horrores vividos pelo jovem
acorrentado e ficamos sabendo do papel da menina internada no hospício. A teia
é frágil e tecida lentamente.
Entrecortando todo o texto principal feito em terceira
pessoa, temos, em itálico, trechos de pensamentos de personagens que não são
imediatamente identificados. Só conforme avançamos na leitura é que conseguimos
perceber de quem eram aquelas vozes. Infelizmente o mistério acerca dessas
falas não existiu para mim, pois já conhecia a história, mas mesmo assim não
pude deixar de ficar angustiada e de sentir um misto de pena e raiva de tudo
aquilo. Apesar do caráter extremo, não acho que as atitudes do “Tarântula” sejam totalmente
inverossímeis. É difícil avaliar racionalmente o nível de raiva das pessoas. Nessas horas, "justiça" é só um conceito abstrato e da intenção de ser justo sobra muito pouco.
“Tarântula” é uma história de vidas destruídas por um ato covarde,
que gerou a busca por vingança, que, por sua vez, gerou mais desgraças. Na teia
do destino, a aranha enredou a todos, unindo-os para sempre por meio de um fio
delicado e invisível, porém indestrutível.
“Mentalmente, você dera um nome a seu amo. Não se
atrevia a usá-lo em sua presença, naturalmente. Chamava-o de “Tarântula”, em
alusão a seus terrores passados. Tarântula, um nome de ressonância feminina, um
nome de animal repugnante que não combinava com o sexo dele nem com a extrema
sofisticação de que ele dava mostra na escolha de seus presentes... Mas
Tarântula porque ele era como a aranha, lenta e secreta, cruel e feroz, ávida e
imponderável em seus desígnios, escondido em algum lugar daquele covil onde o
mantinha sequestrado há meses, uma teia de luxo, uma armadilha dourada, de que
você era carcereiro e detento."
Recomendo
este thriller sensacional que conseguiu prender minha atenção até o fim, mesmo
depois de eu ter visto o filme (que, aliás, recomendo igualmente).
3 comentários:
Nunca tinha ouvido falar nesse livro e nem no filme, confesso que assisti a um unico filme do Almodovar, não porque não goste, mas talvez por iniciativa mesmo. Mas, adorei sua resenha e esse livro já entrou para minha lista.
Beijo!
Adoro o filme e fiquei bem curiosa em ler esse livro, mas acho que vou tentar dar um tempo e ler só quando o filme estiver meio apagado da minha mente (com minha memória péssima, não vai demorar muito, rs).
Flávia,
E história é perturbadora e acho que leitura e depois filme é a melhor ordem, por causa dos mistérios e tal. De toda forma, ambos são muito bons. :)
Lígia,
Eu sempre lembro dos filmes, mesmo depois de muito tempo. Mas a leitura foi uma boa experiência, mesmo eu já sabendo o final.
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