LIVRO: Mas Não Se Matam Cavalos?
“Fiquei
de pé. Por um momento vi Glória de novo, sentada no banco no píer. A bala
acabara de atingir a sua cabeça, de lado, o sangue ainda nem tinha começado a
escorrer. O brilho do tiro ainda iluminava seu rosto. Tudo estava claro como o
dia. Ela estava completamente relaxada, completamente à vontade. O impacto da
bala tinha virado sua cabeça um pouco para o outro lado; eu não tinha uma visão
perfeita de seu perfil, mas podia ver seu rosto e seus lábios o bastante para
saber que ela sorria. O promotor se enganou quando disse ao júri que ela morreu
em agonia, sem amigos, sem outra companhia a não ser a de seu cruel assassino,
ali, naquela noite escura, à beira do oceano Pacífico. Ele estava completamente
enganado. Ela não morreu em agonia. Ela estava relaxada, confortável e sorria.
Foi a primeira vez que a vi sorrir. Como poderia estar em agonia? E não estava
sem amigos. Eu era o melhor amigo dela. Eu era o único amigo dela. Como é que
ela não tinha amigos?”
“Mas não se matam cavalos?” começa com
o parágrafo acima e, a partir do julgamento de Robert, narra em retrospecto a
jornada do protagonista, desde seu primeiro encontro com Glória até o trágico
desfecho da relação. Era época da Grande Depressão americana. A fome assolava a
população e o desespero levava a atitudes insanas.
Robert e Glória se conheceram na Melrose Avenue. Ele saía do estúdio da
Paramount, aonde tinha ido mais uma vez tentar a sorte, enquanto ela corria
ofegante e maldizia o ônibus que tinha acabado de perder. Ele era do Arkansas;
ela, do Texas. Ambos haviam deixado seus estados de origem para trás e rumado
para a terra das ilusões em busca de um sonho – Robert queria ser roteirista e
Glória almejava ser atriz. Depois de um certo tempo sobrevivendo de pequenos
papéis, a dupla já não tinha muita esperança. A última cartada dos dois era
participar de uma maratona de dança que anunciava um prêmio de 1000 dólares ao
casal vencedor.
À
primeira vista, uma maratona de dança pode soar estranho e uma saída fácil para
Robert e Glória, já que os participantes tinham garantidos abrigo, banho,
comida e atendimento médico. Todavia, aos poucos o verdadeiro horror da atração vai ficando evidente: era uma arena na qual os dançarinos chegavam ao limite dos
seus corpos, se digladiavam até a exaustão, passavam por tortura psicológica e
eram expostos a humilhações e todo tipo de engodo para entreter o público e
atrair patrocinadores. Uma mistura assustadora de Jogos Vorazes com reality show de dança.
Glória era uma garota amarga, que sofreu abusos, foi vivendo de favores e pulando de
sofá em sofá, apenas tentando sobreviver. Na época em que conheceu Robert, já
não tinha mais nenhuma fé na humanidade. A frase que mais pronuncia durante
toda a história é ‘Queria estar morta’. Sem dúvida, triste e deprimente, mas não
incompreensível. Como julgar as atitudes de alguém que só conheceu o pior da
vida e que não tem mais perspectivas de futuro?
Robert
ainda mantinha a essência de sonhador. Repreendia constantemente a amiga por
seu pessimismo, tentava apontar saídas. Mesmo no salão claustrofóbico, em meio a
uma multidão disposta a qualquer coisa para conseguir alguma vantagem, ele
ainda buscava os raios de sol e pensava no mar. Ainda que estivesse em um
ambiente de ‘vale-tudo’, ele conseguia ser cortês e solidário. Entretanto, os
esforços individuais nem sempre bastam para mudar o destino.
Eu
sempre achei esse título curioso. Outro dia, estava folheando o “1001 Livros
Para Ler Antes de Morrer” e vi a indicação desse livro lá. Como era curtinho,
consegui encaixar entre minhas outras leituras programadas e, sinceramente, foi
uma ótima escolha. A história da luta pela sobrevivência em uma pista de dança
não poderia ser mais intrigante e desoladora. Os personagens são bem reais e o
título faz todo sentido.
Um
livro incrível, reflexivo e empolgante. Leiam!
Para
variar, mais um filme adaptado de livro. Sydney
Pollack levou a história para as telas em 1969, com Jane Fonda no papel de Glória e Michael Sarrazin encarnando Robert. A produção foi recordista em
indicações ao Oscar de 1970 entre os filmes não indicados na categoria de
melhor filme.
O
diretor faz os protagonistas se encontrarem pela primeira vez já dentro do
salão, quando Glória procurava um par e Robert entra no local por acaso. À
narrativa da competição são mesclados flashs
da infância de Robert, que fazem a ligação do título original com o desfecho
fatal da trama.
Em
geral, é uma adaptação bastante fiel. As cenas de participantes surtando sob o
estresse são angustiantes, e as disputas do derby são ainda mais terríveis e violentas
do que aquelas que minha imaginação havia criado. Para compensar, os pequenos
solos de Robert banhado pelos raios de sol são um respiro de delicadeza em meio
à brutalidade reinante na pista. As explicações do organizador sobre os
cálculos e taxas impostos aos vencedores são revoltantes e, mesmo tendo sido
inventadas para sustentar uma alteração da história, estão em total
conformidade com a ideia de exploração dos miseráveis apresentada no livro.
Mais
um caso de adaptação à altura do texto original. Muito, muito bom!
Trailer (sem legenda)
Um comentário:
Puxa, curiosíssima MiG!! Vou ver se acho ebook, senão vou comprar mesmo!
Beijos!
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