Virgile é um cara metódico, fatalista e
com um humor ácido que poucos parecem compreender. Trabalha como publicitário
(embora tenha consciência de que tudo o que anuncia é porcaria), mora em um
prédio antigo em uma área decadente de Paris que está sendo alvo de especulação
imobiliária, se veste de modo antiquado, faz análise uma vez por semana. Um
dia, ao chegar em casa, vê a luzinha vermelha da secretária eletrônica
piscando. Aperta o botão e fica surpreso ao ouvir a mensagem de Clara terminando o relacionamento com
ele. O detalhe é que ele não se lembra de nenhuma Clara.
Após
o choque da revelação, Virgile pensa que se trata de um engano. Ouve a mensagem
repetidamente. Não podia ser engano, já que Clara havia dito o nome dele.
Depois de queimar o jantar e ficar encarando a parede por uns bons momentos,
Virgile arranca a secretária eletrônica da parede e corre para o consultório de
sua terapeuta em busca de ajuda. Sai de lá com mais dúvidas que antes. Tudo o
que ele sabe é que precisa descobrir quem é Clara e porque ela terminou com
ele.
Na
verdade, ele consegue imaginar um milhão de motivos que poderiam ter levado
Clara ao rompimento. Ser dispensado pelas mulheres que amava era algo normal
para Virgile. Ele não conseguia, de fato, se prender a nenhuma delas. O único
juramento de amor eterno que fez foi por Paris. Nascido em uma pequena cidade
do interior da França, filho de artistas circenses, o arrebatamento que Virgile
sentiu ao conhecer uma metrópole foi indescritível: pela
primeira vez em sua vida ele não atraía olhares de curiosidade, não era motivo
de sussurros - ele era invisível. Desde esse primeiro momento, ele finalmente
entendeu o que queria da vida: ser mediano.
Virgile não sabia quem era Clara e nenhum de seus amigos se lembrava
dela. Não ter respostas é algo que faz qualquer pessoa extremamente racional e
detalhista pirar. Então, o protagonista mergulha numa espiral de obsessão e seu único
objetivo existencial passa a ser encontrar a garota misteriosa. Quanto mais
procura, mais sua vida desmorona e, estranhamente, ele não se importa. Clara o
transforma em outra pessoa, uma daquelas que ele jamais imaginou que poderia
ser.
Já
faz um bom tempo desde que tive meu primeiro encontro com Martin Page. Desde
então, morria de vontade de ler algo dele novamente, mas sempre acabava
adiando. Semana retrasada, decidi que queria ler algo curto, que desse para
terminar em um dia, e então vi o livro na estante. E não poderia ter sido
escolha melhor. É incrível como o autor consegue criar histórias a partir de
coisas banais. Suas observações perspicazes e sarcásticas sobre o comportamento
humano sempre me fazem rir. Seus protagonistas são cheios de neuroses, mas se
mostram muito lúcidos em suas obsessões. A escrita de Page definitivamente não
é do tipo que agrada a todos os tipos de leitores. É só olhar as críticas na
internet. No entanto, recomendo que deem uma chance. Ao que parece, só há dois veredictos
possíveis para seus livros: sensacional ou uma merda.
“Há
um paralelo perturbador entre o crescimento do turismo e a multiplicação de
casos sentimentais. Amamos da mesma forma como viajamos, por períodos curtos e
seguindo roteiros predeterminados. Apaixonamo-nos para ter lembranças, cartas,
um conjunto de sensações, novas cores em nossas íris; para ter o que contar no
escritório, aos nossos amigos, ao nosso psicanalista. Não existe diferença
entre o amor e as viagens, pois sempre voltamos a eles.”
Para
quem gosta de análises comportamentais que revelam traços amargos de uma forma
doce. Fãs de Woody Allen provavelmente vão gostar.
3 comentários:
Oi Mi,
Apesar de livros "cult" não terem muito espaço na minha estante, eu sou da turma que acha esse livro maravilhoso!
Gosto dessa coisa dessa escrita sarcástica e das situações que podem derivar do comportamento humano.
Otima resenha,
bjs
Luana
www.blogmundodetinta.blogspot.com
Adorei outro livro dele, então há grandes chances de também achar esse um livro inteligente!!
Não conhecia esse autor, mas o livro parece ser do tipo de coisa que eu gosto. :)
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