quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Resenha: Talvez Uma História de Amor


Virgile é um cara metódico, fatalista e com um humor ácido que poucos parecem compreender. Trabalha como publicitário (embora tenha consciência de que tudo o que anuncia é porcaria), mora em um prédio antigo em uma área decadente de Paris que está sendo alvo de especulação imobiliária, se veste de modo antiquado, faz análise uma vez por semana. Um dia, ao chegar em casa, vê a luzinha vermelha da secretária eletrônica piscando. Aperta o botão e fica surpreso ao ouvir a mensagem de Clara terminando o relacionamento com ele. O detalhe é que ele não se lembra de nenhuma Clara.

Após o choque da revelação, Virgile pensa que se trata de um engano. Ouve a mensagem repetidamente. Não podia ser engano, já que Clara havia dito o nome dele. Depois de queimar o jantar e ficar encarando a parede por uns bons momentos, Virgile arranca a secretária eletrônica da parede e corre para o consultório de sua terapeuta em busca de ajuda. Sai de lá com mais dúvidas que antes. Tudo o que ele sabe é que precisa descobrir quem é Clara e porque ela terminou com ele.

Na verdade, ele consegue imaginar um milhão de motivos que poderiam ter levado Clara ao rompimento. Ser dispensado pelas mulheres que amava era algo normal para Virgile. Ele não conseguia, de fato, se prender a nenhuma delas. O único juramento de amor eterno que fez foi por Paris. Nascido em uma pequena cidade do interior da França, filho de artistas circenses, o arrebatamento que Virgile sentiu ao conhecer uma metrópole foi indescritível: pela primeira vez em sua vida ele não atraía olhares de curiosidade, não era motivo de sussurros - ele era invisível. Desde esse primeiro momento, ele finalmente entendeu o que queria da vida: ser mediano.

Virgile não sabia quem era Clara e nenhum de seus amigos se lembrava dela. Não ter respostas é algo que faz qualquer pessoa extremamente racional e detalhista pirar. Então, o protagonista mergulha numa espiral de obsessão e seu único objetivo existencial passa a ser encontrar a garota misteriosa. Quanto mais procura, mais sua vida desmorona e, estranhamente, ele não se importa. Clara o transforma em outra pessoa, uma daquelas que ele jamais imaginou que poderia ser.

Já faz um bom tempo desde que tive meu primeiro encontro com Martin Page. Desde então, morria de vontade de ler algo dele novamente, mas sempre acabava adiando. Semana retrasada, decidi que queria ler algo curto, que desse para terminar em um dia, e então vi o livro na estante. E não poderia ter sido escolha melhor. É incrível como o autor consegue criar histórias a partir de coisas banais. Suas observações perspicazes e sarcásticas sobre o comportamento humano sempre me fazem rir. Seus protagonistas são cheios de neuroses, mas se mostram muito lúcidos em suas obsessões. A escrita de Page definitivamente não é do tipo que agrada a todos os tipos de leitores. É só olhar as críticas na internet. No entanto, recomendo que deem uma chance. Ao que parece, só há dois veredictos possíveis para seus livros: sensacional ou uma merda.

“Há um paralelo perturbador entre o crescimento do turismo e a multiplicação de casos sentimentais. Amamos da mesma forma como viajamos, por períodos curtos e seguindo roteiros predeterminados. Apaixonamo-nos para ter lembranças, cartas, um conjunto de sensações, novas cores em nossas íris; para ter o que contar no escritório, aos nossos amigos, ao nosso psicanalista. Não existe diferença entre o amor e as viagens, pois sempre voltamos a eles.”

Para quem gosta de análises comportamentais que revelam traços amargos de uma forma doce. Fãs de Woody Allen provavelmente vão gostar.

3 comentários:

Unknown disse...

Oi Mi,

Apesar de livros "cult" não terem muito espaço na minha estante, eu sou da turma que acha esse livro maravilhoso!
Gosto dessa coisa dessa escrita sarcástica e das situações que podem derivar do comportamento humano.
Otima resenha,
bjs
Luana
www.blogmundodetinta.blogspot.com

Anônimo disse...

Adorei outro livro dele, então há grandes chances de também achar esse um livro inteligente!!

Lígia disse...

Não conhecia esse autor, mas o livro parece ser do tipo de coisa que eu gosto. :)